AGENDA CULTURAL

21.1.10

No mesmo barco




Hélio Consolaro

As catástrofes sempre existiram, os crimes hediondos também. A diferença é que agora cadáveres fazem velórios em nossas salas e o sangue respinga no sofá. José de Anchieta escreveu uma carta em 1560, descrevendo uma tempestade: “...abalou as casas, arrebatou os telhados e derrubou as matas...”


Sempre existiram tempestades, enchentes, excessivo calor, mas o planeta era desabitado, o surgimento das grandes cidades é recente. Uma chuva que poderia apenas derrubar árvores e encher rios, hoje, devido à grande aglomeração urbana, provoca uma catástrofe.


Enchentes, deslizamentos, até os tremores fazem muitas vítimas porque nós planejamos erroneamente nossas cidades, nossa vida foi tratar a Terra como inimiga. Por especulação imobiliária, encaixotamos rios, aterramos brejos (e até lagoas). Além disso, impermeabilizamos o solo com asfalto nas ruas e cimentamos nossos quintais. Hoje estamos pagando por erros históricos.


Na primeira metade do século 20, os araçatubenses não sabiam o que ocorriam em Bauru e nem vice-versa. Talvez a notícia chegasse semanas depois. Às vezes, atualmente, por causa desse envolvimento emocional com o mundo, choramos a tragédia dos haitianos e chamamos de vagabundo quem busca a sobrevivência dos semáforos de nossas esquinas. A mídia reúne todas as desgraças do mundo e jogam-nas em nossa casa via televisão. Precisamos saber trabalhar a repercussão disso em nós, senão nos desesperamos.


Até ontem, as enchentes atingiam as pessoas desvalidas, hoje, as águas começam a lamber as mansões. Condomínios enchem d' água e pousadas chiques são soterradas por desmoronamentos.


Não considero os militantes ecológicos “ecochatos” e nem acho que as guerras são necessárias, como forma de fazer uma faxina na Terra. A questão ecológica, para garantia de nossa sobrevivência, não pode ter cores ideológicas, porque ambos, ricos e pobres, em nível de países ou de cidadãos, cometem crimes ecológicos. Lógico que quem tem riqueza possui mais ferramentas para destruir a natureza.


Nós moramos no fundo do mar, um mar que no lugar de água tem ar. Inventamos o avião, o foguete para sair desse fundo, ir à tona, já que não temos barbatanas. Jogar-se de um avião num voo livre é como mergulhar de um trampolim.


Isso significa que sujar a água ou o ar é um suicídio coletivo. Seria o mesmo que o feto fazer cocô no útero de sua mãe. Infelizmente, falta-nos essa visão de conjunto, que estamos todos interligados, cada um é responsável por si e pelo outro. Preocupar-se com o outro não é altruísmo, mas significa também cuidar de mim mesmo.


Nosso corpo tem 70% de água, o planeta também (entre doce e salgada). Mera coincidência? Ou fazemos parte de um todo? Se a água for poluída, meu corpo também será poluído. Beber água de garrafão ou de garrafa é uma solução paliativa. Daqui a pouco o aquífero Guarani todinho estará contaminado.


Há saídas sim, desde que assumamos nossa pequenez e descubramos que formamos uma rede. Estamos todos no mesmo barco nestes tempos de enchente.

2 comentários:

HAMILTON BRITO... disse...

Ainda outro dia, no Jornal Nacional, o jornalista disse que as mortes foram provocadas pelos FENÕMENOS DA NATUREZA. Um fi...um santo ganha grana pra dar habite-se em lugar inabitável, outro fi...santo faz uma casa ou barraco
no pé de um morro, outro vê sinais de deslizamento na própria varanda da casa e nada faz e a NATUREZA é culpada. Pode ser? Tá certo, a natureza tem que cair em cima de tudo e todos pra começar de novo.

Arquiteto Éderson Silva disse...

É isso aí Hélio, você foi direto ao ponto, parabéns...

...estou fazendo um link no Blog VER.a.CIDADE - ARAÇATUBA, para esta postagem.

Abraços