AGENDA CULTURAL

18.10.10

Quem vai comer a carniça?

Hélio Consolaro*

Quem tem medo da morte,não gosta de urubu, porque ele é um papa-defunto eficiente. Além disso, está sempre de luto, homenageando suas vítimas.

Tudo é uma questão de ponto de vista, pois é o bicho da sustentabilidade, a cada descoberta nova do homem, lá está urubu sendo presença. Apesar de feioso e com má fama, o urubu tem papel essencial na natureza. Como se alimenta de carne em putrefação, faz uma espécie de faxina nos locais onde vive, pois elimina do meio ambiente a matéria orgânica em decomposição.

O urubu, apesar de ver o mundo de cima, é vítima de injustiças, até nos ditados populares: “Urubu, quando está azarado, o debaixo suja o de cima”. Mas ele também já foi homenageado. Na música popular, o urubu recebeu uma grande homenagem do maestro Tom Jobim.
No disco Urubu, de 1976, Tom fez uma dedicatória na contracapa: “Urubu procurador, urubu achador. Que sabes, do alto, o que se esconde no chão da mata virgem e dos muitos perfumes que sobem do mundo. Eterno vigia de um tempo imperecível. Nos vetustos paredões de pedra, dorme o perfil de um urubu”. Além disso, ele é o mascote do Flamengo.
Este croniqueiro tem um livro de poemas, já publicado, intitulado “Urubu Branco”. O poeta simbolista Augusto dos Anjos, foi autor do verso: “Ah! Um urubu pousou na minha sorte”. Até Walt Disney recorreu ao urubu. Ao inventar o personagem o urubu Nestor, companheiro de Zé Carioca, que vivia escovando urubu, ou seja, sem fazer nada.
Em Araçatuba, havia dois urubus sem árvores, se urbanizaram. Morreram eletrocutados no domingo, Dia do Senhor (17/10/2010). A espécie vestiu preto. Quem vai comer a carniça? Serão eles urubufágicos? Eles ficavam sempre urubuservando a cidade do alto dos edifícios, até neles faziam ninho.

Com a zona rural devastada, sem árvores frondosas, apelavam para os arranha-céus. Botavam ovos nas sacadas dos apartamentos, em vasos de flor, e chocavam para espanto do morador. Apesar de serem neguinhos, eram tolerados. Mas que não chegassem por lá pedintes pardos.

Errei, caro leitor, tratei-os em minhas crônicas como homossexuais (Zeca e Maneca), quando, na verdade, os dois formavam um casal hétero. Urubus são aves monogâmicas. Também, quem vai querer pular a cerca com um urubu?

Recebi um telefonema dominical do Rosvel Menezes:

- Consa, Zeca e Maneca morreram...

- Como? Perguntei-lhe.

- Eletrocutados. Um caiu, o outro ficou dependurado no fio. Vítimas do urbanismo.

Respondi-lhe ironicamente:

- Estamos de luto...

Pelo jeito, toda a cidade será castigada, porque matar urubu atrasa a vida. Caramba! Além de sapo enterrado, cabeça de burro espetada, agora, Araçatuba vai ter pagar pelos urubus mortos? Se prepare, Cido Sério. Rezemos, irmãos.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba.

Um comentário:

wania disse...

CONSA NA ESCOLA QUE EU TRABALHO NO PERÍODO DA TARDE (EMEB PROFº DARCY FONTANELLI) TEM UM CASAL DE URUBU QUE MORA LÁ... E AS CRIANÇAS ME PERGUNTAM... O QUE ELES FAZEM NA ESCOLA! EU RESPONDAM ELES SÃO MASCOTES DA ESCOLA!
POIS, A NOSSA CONVIVÊNCIA ESCOLA E CASAL DE URUBU É TÃO AMIGÁVEL QUE NÓS JÁ SOMOS PARCEIROS... OU MELHOR ELES JÁ SÃO AMIGOS DA ESCOLA!