AGENDA CULTURAL

21.5.11

Livro distribuído pelo MEC relativiza regras de concordância do Português

A polêmica do livro didático
Hélio Consolaro*

O Ministério da Educação (MEC) distribuiu a 4.236 escolas brasileiras um livro didático da organização não governamental Ação Educativa que defende a escrita sem concordância de expressões orais populares, por exemplo "os livro", apoiado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que dizem que não há só uma forma correta de falar o português brasileiro. Edição deste sábado, Folha de S. Paulo

As polêmicas acadêmicas demoram décadas para chegar até a população, mesmo em época de mundo globalizado e mídias quase instantâneas.

A questão de considerar o substrato lingüístico do aluno na escola vem sendo tratado pela pedagogia nas escolas, não só pela lingüística, desde a década de 90. Muitos livros didáticos já apresentaram isso a alunos, até apostilas de escolas particulares já abordam o assunto, mas só agora a Globo o descobriu.

Condena-se tanto o “bullying”, mas gozar um colega porque ele é pobre e fala errado também é “bullying”. A elite intelectual impõe o seu modo de usar a língua ao resto da sociedade. Como tem prestígio, são doutores, é seguida. A sociolingüística explica isso.

Quem sai perdendo ou ganhando com a polêmica foi a professora Heloísa Ramos e a Global Editora, de São Paulo. A mesma que publicou o novo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2009.      

A ABL condena o livro, mas nunca se preocupou com eles, pois há muito tempo alguns livros didáticos mostram os usos da língua na sociedade, só agora, porque deu na Globo, se manifestou. E pede para não misturar lingüística com gramática. Para muitos professores, uma posição conservadora.

Doutora em Educação, Vera Masagão Ribeiro, da ONG Ação Educativa, responsável pela coleção “Por uma vida melhor”  defendeu o livro, dizendo que ele se destina ao EJA – Educação de Jovens e Adultos, modalidade que, pela primeira vez neste ano, teve a oportunidade de receber livros do Programa Nacional do Livro Didático.
Ela disse que a ênfase do ensino é na norma culta, mas o livro não deixa de registrar outros usos da língua por classes sociais diferentes, afinal, são alunos que chegam à escola fora da faixa etária.  

E concluiu a doutora: “... que o Modernismo brasileiro em 1922 incorporou a linguagem popular à literatura. Felizmente, desde então, o país mudou bastante. Muitas pessoas têm consciência de que não se deve discriminar ninguém pela forma como fala, ou pelo lugar de onde veio. Tais mudanças são possíveis, sem dúvida, porque cada vez mais brasileiros podem ir à escola tanto para aprender regras como parar desenvolver o senso crítico”.

Esta coluna considera ser necessário ter um uso da língua que seja referência, no caso é chamado de “norma culta”, para manter a unidade nacional, mas não precisa desprezar aquela pessoa que tem o jeito de falar de seu grupo por causa da baixa escolaridade.

Um profissional de nível universitário que não sabe usar a variável culta da língua deve ser repreendido, afinal, sua formação exige isso. Também é preciso dizer que não se fala “grã-fino” em qualquer lugar. O uso da língua é como o da roupa, há uma para cada situação. E a última recomendação aos universitários: falar ou escrever bem não é querer impressionar com palavrório, é se expressar de forma simples e clara, sem cometer erros grosseiros.

Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras, da UBE e da  Cia. dos Blogueiros. Atualmente é secretário da Cultura de  Araçatuba.



Tempestade em copo d’água
Por Rogério Christofoletti em 18/5/2011




Reproduzido do blog do autor, 17/5/ 2011; título original "Polêmica do livro do MEC é tempestade em copo d’água"
Tenho acompanhado de perto o debate em torno do livro adotado pelo MEC e que estaria "ensinando errado" a língua portuguesa, ao reproduzir erros de concordância. E o que se vê nos meios de comunicação é bastante discutível não apenas do ponto de vista linguístico, mas também jornalístico.
De maneira ampla, os meios de comunicação têm engrossado as críticas ao ministério e ao livro, formando uma verdadeira tropa de choque a favor da língua pátria. Jornalistas gesticulam, esbravejam, tecem discursos moralizantes em torno do idioma, como se viu, por exemplo, na edição de terça-feira (17/5) do Bom Dia Brasil, da Rede Globo. O jornalista Alexandre Garcia disparou contra o livro e o MEC, criticando uma certa cultura que fraqueja diante dos insucessos escolares, que flexibiliza demais o ensino e permite o caos que hoje colhemos na educação. Ele lembrou os exemplos da Coreia do Sul e da China, que há décadas investem pesado em seus sistemas educacionais e hoje prosperam, assumem a dianteira de alguns setores. Só esqueceu de dizer que esses países investem nas ciências exatas e duras e não nas humanísticas, no ensino de língua materna etc.
Não satisfeito, o Bom Dia convocou o professor Sérgio Nogueira, guardião da língua nacional e jurado do quadro "Soletrando", do Caldeirão do Huck, este bastião da cultura brasileira. Nogueira também bateu forte, e quase pediu a cabeça do ministro Fernando Haddad, citando casos recentes (e graves) que chacoalharam o MEC. Só não "demitiu" Haddad por falta de tempo em sua intervenção.
Opinião apressadaMas o caso do Bom Dia Brasil não é único. Alguém aí viu ou ouviu a autora do livro em alguma entrevista? Ela pôde dar sua versão? Alguém aí viu ou ouviu linguistas como Marcos Bagno e Ataliba T. Castilho, que pesquisam e trabalham há décadas em torno da discussão de uma gramática para o português falado e da singularidade idiomática do português brasileiro? Alguém aí viu alguma matéria sobre preconceito linguístico? Pois é, pois é...
Marcos Bagno tem um livro simples sobre o tema do preconceito linguístico, derivado de sua tese de doutorado e de anos de pesquisa. O professor Ataliba escreveu três volumes de uma gramática voltada ao português falado. Isso não é suficiente para se perceber que existem abismos entre o que se escreve e o que se fala? Que a língua falada é mais dinâmica, mais porosa que o padrão culto da língua, a ser aplicado na sua dimensão escrita? Alguém aí já ouviu falar de um genebrino chamado Ferdinand de Saussure, por acaso pai da Linguística, cujo livro póstumo de 1916 já tratava de separar língua (langue) e fala (parole)?
O fato é que sobra opinião apressada e ignorância na cobertura da imprensa sobre o caso. Sobra também prescritivismo, conservadorismo e elitismo no ensino de línguas. E justo nos meios de comunicação, ao mesmo tempo ator e ambiente fundamentais para difundir, disseminar e consolidar gestos de linguagem, fatos da língua.




Roseli

A IMPRENSA E O LIVRO DIDÁTICO
O conservadorismo da mídia
Essa semana (15/5), jornais e sites teceram duras críticas ao livro Por uma Vida Melhor, da ONG Ação Educativa, voltado à educação de jovens e adultos e distribuído a 4.236 escolas pelo Ministério da Educação (MEC). O livro aborda as diferenças entre o discurso oral e o escrito, admitindo a existência de formas de falar tais como "Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado", levando-se em conta a variedade linguística popular. As matérias sobre o assunto, no entanto, foram rasas, superficiais, acionando o conservadorismo e a crítica fácil, e reduzindo o que poderia ser um rico debate sobre os dois tipos de discurso a uma acusação ao ministério de ‘defender erros de concordância’.
Não é de hoje a abordagem pelos livros didáticos de língua portuguesa, disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo ministério, do tema da variação linguística, como aponta em lúcido artigo o professor e linguista Marcos Bagno, da Universidade de Brasília (UnB), que o RADIS reproduz a seguir. Ele aponta uma “ignorância da grande imprensa” a respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua.

POLÊMICA OU IGNORÂNCIA?
Discussão sobre livro didático só revela ignorância da grande imprensa
Marcos Bagno*
Para surpresa de ninguém, a coisa se repetiu. A grande imprensa brasileira mais uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua.
Jornalistas desinformados abrem um livro didático, leem metade de meia páginae saem falando coisas que depõem sempre muito mais contra eles mesmos doque eles mesmos pensam (se é que pensam nisso, prepotentementeconvencidos que são, quase todos, de que detêm o absoluto poder da informação).
Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa, disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação, abordam o tema da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula. Não é coisa de petista, fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e seus colegas explanadores do óbvio.
Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo, a mudança irreprimível que transformou, tem transformado, transforma e transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os alunos provenientes das chamadas “classes populares” poderão se reconhecer no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E, é claro, com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada vez mais dessas mesmas “classes populares”, esses mesmos profissionais entenderão que seu modo de falar, e o de seus aprendizes, não é feio, nem errado, nem tosco, é apenas uma língua diferente daquela — devidamente fossilizada e conservada em formol — que a tradição normativa tenta preservar a ferro e fogo, principalmente nos últimos tempos, com a chegada aos novos meios de comunicação de pseudoespecialistas que, amparados em tecnologias inovadoras, tentam vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre.
Enquanto não se reconhecer a especificidade do português brasileiro dentro do conjunto de línguas derivadas do português quinhentista transplantados para as colônias, enquanto não se reconhecer que o português brasileiro é uma língua em si, com gramática própria, diferente da do português europeu, teremos de conviver com essas situações no mínimo patéticas.
A principal característica dos discursos marcadamente ideologizados (sejam eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade de ver as coisas em perspectiva contínua, em redes complexas de elementos que se cruzam e entrecruzam, em ciclos constantes. Nesses discursos só existe o preto e o branco, o masculino e o feminino, o mocinho e o bandido, o certo e o errado e por aí vai.
Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que “o homem vem do macaco”. Ele disse, sim, que humanos e demais primatas deviam ter se originado de um ancestral comum. Mas essa visão mais sofisticada não interessava ao fundamentalismo religioso que precisava de um lema distorcido como “o homem vem do macaco” para empreender sua campanha obscurantista, que permanece em voga até hoje (inclusive no discurso da candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado).
Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa não significa automaticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso repetir isso a todo momento.
Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”, porque essa regra gramatical (sim, caros leigos, é uma regra gramatical) já faz parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”, porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda servir de arame farpado entre os que falam “certo” e os que falam “errado”, é dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos, de modo que eles – se julgarem pertinente, adequado e necessário — possam vir a usá-la também. O problema da ideologia purista é esse também. Seus defensores não conseguem admitir que tanto faz dizer assisti o filme quanto assiti ao filme, que a palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos, como dizem 101% dos brasileiros) quanto no plural (os óculos, como dizem dois ou três gatos pingados).
O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”, no exato momento em que a defendem, empregar regras linguísticas que a tradição normativa que eles acham que defendem rejeitaria imediatamente. Pois ontem, vendo o Jornal das Dez, da GloboNews, ouvi da boca do Sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta: “Como é que fica então as concordâncias?”. Ora, Sr. Monforte, eu lhe devolvo a pergunta: “E as concordâncias, como é que ficam então?

* Escritor, tradutor, lingUista e professor da Universidade de Brasília (UnB), artigo publicado em seublog, em maio de 2011.
 

2 comentários:

Gabriel Araújo dos Santos disse...

Parece inovação de quem não tem nada para fazer. Como ficaria a nota do candidato na prova do ENEM diante dos erros de concordância? Pelo visto tais erros teriam que ser relevados, pois é necessário respeitar a forma do "outro" de se expressar!
Parece até aquele país em que as rãs queriam um REI, tal a lerdeza em que se arrastavam os dias...

Gustavo Lunardelli Trevisan disse...

Agora pode tudo.......