AGENDA CULTURAL

24.6.11

Prática do suicídio


Hélio Consolaro*

Um jovem de 21 anos foi preso nesta quinta-feira, 23/6/2011, acusado de participação no assassinato da advogada Giovana Mathias Manzano, de 38 anos, em um canavial na zona rural de Penápolis. Segundo informações, o acusado teria recebido uma quantia de R$ 20 mil para que cometesse o crime (Diário de Penápolis)

Longe de mim querer julgar a Giovana. Cada um sabe de sua realidade interior. Quem nunca pensou em suicidar-se em momentos cruciais da vida? Numa fase brava de minha trajetória, eu quase quis ser o criador de minha história, pondo fim à narrativa, matando minha própria personagem. Pensei: “Está na hora de encerrar, terminemos com o protagonista, está difícil dar um final feliz a esse enredo.” Ainda bem que a coragem nunca foi minha marca registrada.  

No “Dicionário de Suicidas Ilustres”, de J.Toledo, editora Record, em seu prefácio Roosevelt M. Smeke Cassorla, médico psicanalista, procura fazer uma tipologia de suicídios. Há quem considere o suicídio um ato belo de liberdade e livre arbítrio, pois desafia o Criador, pois ele mesmo põe fim à sua vida, sem esperar pelos desígnios divinos. Daí as religiões condenarem o suicídio veementemente.

Na Suíça, há o “turismo do suicídio”, porque lá é costume e lei o “suicídio assistido”, por isso o país é muito visitado por estrangeiros suicidas. Os suíços acreditam no direito pessoal de cada indivíduo escolher quando e como vai morrer. Em maio, os eleitores de Zurique, na Suíça, rejeitaram propostas para limitar a prática do suicídio assistido na cidade num plebiscito.

Praticar o haraquiri é uma tentativa de recuperar sua imagem diante do grupo social. Há os camicazes e os fundamentalistas que morrem por uma causa, como ocorre com o islamismo. Há aqueles que tentam fugir das frustrações, do sofrimento, ou, então, os praticantes da eutanásia em si mesmos.
Capa do dicionário

Os suicidas crônicos que se recusam a comer, a ingerir remédios, vão morrendo aos poucos, se entregam à doença.  A bulimia é um suicídio a conta-gotas.  Consumidores de drogas, também os alcoólatras, praticam uma forma de suicídio a longo prazo, encurtando suas vidas. E há o caso do suicídio forçado, como fizeram com o filósofo Sócrates na Grécia Antiga. Ele foi condenado à morte pelo governo e teve que ser o seu próprio algoz, tomando cicuta.

Na relação do prefácio do dicionário acima citado, não aparece o “suicídio encomendado”, ou seja, pagar para alguém executar aquilo que a pessoa não tem coragem de fazê-lo, como ocorreu em Penápolis. Além disso, a mulher combinou um preço e deixou outra quantia na bolsa. Ainda mais: recomendou que o atirador ateasse fogo ao carro, para não deixar nada pra ninguém. Se essa recomendação for verdadeira, a pseudossuicida não exerceu a caridade nem nos últimos minutos de vida.


O delegado de polícia Mauro Gabriel, que cuida do caso, considera-o inusitado. Giovana contratou um matador de aluguel para si mesmo. Na verdade, a vingança foi contra o ex-marido, ela quis deixá-lo com a consciência pesada, atormentado pelo resto da vida.

O drama da penapolense demonstra que a alma humana é repleta de escaninhos. Para usar uma metáfora de Guimarães Rosa, às margens, os rios são rasos, mas o meio é profundo, escondendo escombros do percurso.

Homicídio ou suicídio? O nome da desgraça é apenas um detalhe.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras e da União Brasileira de Escritores. Atualmente é secretário de Cultura de Araçatuba-SP


3 comentários:

Cidadão Araçatuba disse...

Fica até difícil imaginar uma coisa dessa.
Como assim, vou me matar e contrato alguém para isso? Tragicômico?
Me faz pensar como a mente humana é cheia de nuances e esquisitices.
Descanse em paz?

Anônimo disse...

Isso pra mim é uma desgraça ao quadrado. Nem sei o que pensar. O que de fato aconteceu só Deus sabe. Nós imaginamos...mas...sabe lá o que foi isso!
Um abraço,
Mariluci Gomes

Antenor Rosalino disse...

Fico com a ironia socrática sobre a morte. Quanto ao suicídio,muitos são os motivos que podem levar alguém a tão extremada ação, talvez, de insanidade, mas cada qual sabe a intensidade do seu sofrimento e não temos o direito de julgar. Só há um juiz nesse sentido.
Belo tema para reflexão.
Fraternal abraço.