AGENDA CULTURAL

16.3.13

Eu ouvi Alexandre Vanucchi morrer sob tortura

Hélio Consolaro*


Hoje, acordei, olhei para o céu nublado. Março, 16. Lembrei-me de 40 anos atrás, cidade de Rosana-SP, onde fui lecionar. Não queria recordar dessa passagem da vida, mas não podemos esquecer os marcos históricos. E pior, que também fazem parte  de nosso país.

Dia 17 de março de 1973, um dia após minha chegada ao DOI-CODI, preso, acusado de ser comunista, subversivo, etc.  Dois jovens de 24 anos, amedrontados, eu e o Tito Damazo, ocupávamos uma cela com um colchão de solteiro. Dividíamo-lo solidariamente antes de dormir, mas acordávamos os dois no ladrilho frio, e o colchão vazio. Até que um novo companheiro foi jogado também em nossos “aposentos”. Mais velho, experimentado em ser perseguido e preso, gritou pela dignidade humana. Assim, recebemos mais colchões.


Mas não vou me esquecer dos gritos agoniados de alguém, morrendo nas mãos de seus algozes, nossos semelhantes, pois não suportou a tortura. Aqueles gemidos me deixavam ainda mais apavorado. Quando seria a minha vez. Suportaria?

Eram os gritos de Alexandre Vanucci. Não o conhecia, fiquei sabendo dos detalhes após sair do DOI-CODI, transportado para o DEOPS, onde hoje está o Memorial da Resistência, na cidade de São Paulo. 

Recentemente, visitei a cela onde fiquei preso naquele local por 15 dias. Ir para o DEOPS significava deixar de ser um preso clandestino. O pior havia passado.     
Não estou contanto tudo isso de ouvir dizer, sou testemunha ocular, auditiva e emocional de tanto sofrimento. Não estou aqui para aparecer, posar de vítima, mas para dizer à juventude que essa democracia em que vivemos hoje foi construída e regada com o sangue de muita gente. Não caiu do céu. Não se ganha a liberdade, ela é conquistada, ela tem uma dimensão política significativa.   

Alexandre Vanucchi tinha o direito de errar. Podia até estar equivocado em sua opção política, mas nunca ser torturado até a morte porque tinha ideais. O respeito à vida e a liberdade de pensamento são valores universais.

Não apoio ditaduras de qualquer coloração política, não podemos trocar a liberdade pelo bem-estar social. 
Liberdade sempre.   



Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP

     

3 comentários:

ESTACÃO BRASIL (UP GRADE) disse...

Helio Consolaro

Muitos dos quem vivem hoje, não sabem o que foram realmente as coisas daquele tempo funesto.
Uma pena que muitas vezes, nós também deixamos que as gerações atuais desconheçam as atrocidades feitas em nome da ORDEM E DO PROGRESSO.
Seria bom que relatasse estas coisas no dia da inauguração do PROJETO LIBERDADE SEMPRE.
Um abraço em seu coração grande amigo

Anônimo disse...

Conheço o cronista Hélio, também o prof.Tito. Sempre deram a cara para bater, não se acovardaram diante das atrocidades que eram submetidos os de ideais contrários ao regime então em vigor.Infelizmente foram vitimados para não dizer torturados até a morte dezenas, centenas desses (hoje) ilustres cidadãos. Tortura, nos dias de hoje, é considerada "crime hediondo", muitos desses então jovens tiveram a vida ceifada por algozes carrascos, cria de uma ditadura sórdida e covarde, cujo texto do Senador Jarbas Passarinho em anos posteriores, dizia que o Mal.Castelo Branco abominava tal ilicitude. Morreu em um acidente aéreo, até hoje envolto de mistérios.

Anônimo disse...

Lamentavelmente ainda hoje vemos muitos a propugnarem à volta à ditadura. Sorrateiramente, como é o caso de impor limites à liberdade de imprensa. Tudo tratado numa linguagem que foge à compreensão da maioria do povo, em especial aqueles que não têm acesso pleno à informação.
Gabriel.