AGENDA CULTURAL

13.9.13

Nariz ressecado


Hélio Consolaro*

Quanto mais voou, mais insignificante me sinto, mas parece que esse sentimento não é de todos, porque a riqueza voa pelo céu, a pobreza rasteja pelo solo.

Executivos, milionários com seus aviões particulares, todos voam. Os pobres mortais andam de ônibus, quando muito, viajam com seus carros.

Aquela sensação de ver embaixo tudo miudinho me deixa incomodado. Nem sei se Deus me enxerga, porque ele cuida do infinito, enquanto os pregadores insistem que Ele conhece o seu rebanho.

Esse tempo de fim de inverno também me traz ainda mais para minha insignificância. Nariz ressecado, gripe fácil, jardins sem grama, água mais cara. Não há umidificador que dê conta. O meio ambiente é tudo, se houver um desequilíbrio ecológico, estamos todos mortos.

Mas há quem brigue pelo poder, ou melhor, pela bostinha do poder. Desde o rico até o pobrezinho, cada um a sua maneira, tem a sua briga pelo poder, nem que seja dentro de um casebre. O negócio é estar por cima, mandar, submeter.

Dessas coisas do cotidiano podemos transcender para a filosofia. O homem é bom ou mau por natureza? Confesso que não estou interessado na divisão bom/mau, esse maniqueísmo que empobrece nossas relações. A maldade e a bondade moram dentro de nós e se manifestam igualmente.

Dizem que os santos deixam o mal imerso, e o bem emerso, por isso são pessoas zen, harmoniosas, íntegras. Outros afirmam que somos maus por natureza e Jesus Cristo veio para resgatar a bondade nos seres humanos. O trabalho está difícil.

Também explicam que os inimigos moram dentro de nós, há gente que os deixa tomarem conta de nossas ações, então, só damos cabeçadas.

Em nossa insignificância, ficamos perguntando isso, aquilo, querendo tatear os motivos de nossa existência. Morremos ignorante, não há salvação.
Meu nariz ressecado me leva a tais reflexões, somos tão frágeis quanto os pardais, as formigas, e não há máquinas e inventos que nos tiram dessa condição de fragilidade.

Tenho inveja das pessoas que vivem e morrem sem perguntarem nada, sem ambição. Parece que são mais felizes. Vivem como os animais, quase instintivamente. Fazem sua reza, confiam cegamente num Deus e acham que vencerão este vale de lágrimas à procura de mundo melhor, numa transcendência mágica. Se houver céu, realmente é deles.  

Caro leitor, deixe de lado esta crônica, sou um sujeito que quer pôr caraminholas em sua cabeça, me renegue, não termine a leitura, não mereço a sua atenção. É melhor morrer rastejando.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP  


   

2 comentários:

Unknown disse...

Adorei essa sua crônica. Foi minha primeira leitura do dia. Que bom!
Parabéns pelas reflexões. Abraço, Mariluci

Adauto Elias Moreira disse...

Gostei. Me pareceu uma catarse, mas gostei. Em alguns momentos de nossas vidas passam tais ventos.
Cada um continuará a crônica segundo suas próprias ideias; talvez seja esse um dos pontos importantes do seu trabalho.
Um abraço e obrigado.

adautoem@gmail.com
Adauto Elias Moreira
Paraguaçu Paulista