AGENDA CULTURAL

7.11.13

Aposentar-se


Hélio Consolaro*

Nesta foto, 23 de setembro de 2013, eu estava na via Dante Alighieri, na cidade de Milão, comemorando com a Helena, minha esposa, meus 65 anos. Apenas os dois. Ela registrou a foto.

Iniciei minhas viagens fora do país, escolhi a Itália, porque sou um ser totalmente italiano, o mais carcamano de todos os filhos de Dona Augusta e de Seu Luís. Na Itália tem Consa para se pegar de pá carregadeira. Apenas um senão: sou um pouquinho mais educado do que meus ancestrais. Comemorar meus 65 anos lá foi uma emoção.

Ontem, fui ao INSS apresentar documentos, me habilitar à aposentadoria. Senti-me esquisito, embora eu não vá dependurar as chuteiras, mas algo está acontecendo em mim que não consegui detectar. Estou com medo de mim mesmo.

Aposentei-me proporcionalmente pelo Ipesp em 1998, com 32 anos de serviço, sem utilizar o tempo de magistério particular. Continuei minha toada na rede privada de ensino, agora tenho direito à aposentadoria por idade, com 20 anos de contribuição. Não será uma grande coisa, mas garanto minha miséria. 

Milhões de brasileiros gostariam de estar em meu lugar, mas a gente tem o germe da infelicidade, nunca estar contente com o que tem, uma falta de aprendizagem para viver bem o presente. Alguns ricaços certamente lamentam meu miserê.

Estou bem de saúde, penso em continuar como secretário municipal, a mudança é apenas burocrática e o acréscimo de reais ao salário pelo INSS, mas assim mesmo, me sinto esquisito. Espero que isso seja bom, uma mudança para a serenidade. 

Telefonei ao Tito Damazo, com quem iniciei o magistério. Ele também está com agendamento, troquei algumas ideias com ele, passei-lhe algumas experiências no atendimento, mas, na verdade, era uma vontade danada de me encontrar com o passado, com a juventude. O tempo de trocar experiências de como trabalhar o texto na sala de aula ficou nalguma curva do rio da existência.

Às vezes, penso em me tornar um ermitão, me alongar num rancho qualquer. Já até apressei meu genro a terminar logo o seu rancho à beira do Tietê para me tornar o caseiro dele. Mas eu suportaria? Com internet, celular, etc o isolamento seria apenas unilateral. Se não falo muito, escuto demais.

Coincidentemente, caiu-me às mãos o artigo de Alexandre Rodrigues, publicado na Ilustríssima de 3 de novembro de 2013, sobre os escritores reclusos. Será mesmo mera coincidência? Nem assino a Folha de São Paulo.     

Marcel Proust, permaneceu 20 anos em casa, sem botar a cabeça na janela, quando produziu o livro "Em busca do tempo perdido". Dessas duas décadas de reclusão, os três últimos anos não saiu do quarto. 

Fernando Sabino, depois de envelhecer, deixou de ser um ser social, não suportava o novo aspecto que ganhou como velho. A envelhescência é uma incógnita.

Não sou o primeiro a se sentir assim, nem serei o último, mas só aprendemos a realização ontogênese na filogênese na morte, quando as duas pontas se encontram.  


*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP


Um comentário:

Flores da Vergonha disse...

Parabéns, Hélio, mais uma vez, pela longevidade com saúde. Um dia, aliás, todos os dias, mesmo sendo mais jovem, filosofo sobre a vida e a morte, em forma de poesia, pois não busco a verdade, "não tenho filosofia: tenho sentidos." - como nos ensinou Pessoa. "Pensar é estar doente dos olhos." A foto acima é a prova. Também sou de descendência italiana, dos Gandolfi, de minha vó paterna. O problema foi que meus avós paterno e materno são da Espanha, os Puertas e os Tristante. Conclusão: a mistura, diz o ditado popular, é péssima. Abraços de Alaor.

Entre o nada de antes
e o nada do depois
a vida floresce
entre dois túneis
do esquecimento:
- O sonho da morte:


"ciranda cirandinha
vamos todos cirandar
vamos dar a meia volta
volta e meia vamos dar"


são sensações
como quem pica o fumo
como quem morde a isca
seria uma comichão eterna
se não fossem espaços
entre dois túneis:


"ai, eu entrei na roda
ai, eu não sei como se dança
ai, eu entrei na rodadança
ai, eu não sei dançar"


sonho curto? - pernilongo
sonho besta? - maçaneta
sonho pesadelo? - dois buracos outrora
residências duns olhos...
somente sonho? - não lembrar nada:


"por isso dona rosa
entre dentro desta roda
diga um verso bem bonito
diga adeus e vá se embora"


"boi, boi, boi
boi da cara preta"
cercado alimentado
à espreita
enquanto não acorda para o açougue
rumina pensativo
no princípio da dignidade humana
dos humanos:
- O sonho da morte são gotas
de dipirona.

Alaor Tristante Júnior