AGENDA CULTURAL

5.12.14

Todo velho é homossexual

Hélio Consolaro*

Dois velhinhos intelectualizados em mesa de bar discutiam baixinho a situação, que não era a política nem a econômica do país, mas a sexual de cada um, como se fossem dois adolescentes. A diferença de seis anos entre si modificava alguns itens do quadro, mas ambos usavam Viagra, ou seu similar.

Ambos se glorificavam de terem nascido e na juventude surgido a pílula, a anticoncepcional. E agora, na velhice, tinham à sua disposição o comprimido azul. Avaliavam que eram sujeitos de sorte, beneficiados pelo avanço tecnológico.

- Como sofreram nossos pais e avós com a impotência sexual, cara, tomando raízes, casca disso, casca daquilo. Até o ovo de codorna foi a salvação! Nada resolvia! Acabavam mesmo dando um nó na ponta do bilau!

O outro tinha uma tese mais antropológica:

- Devemos viver conforme as oportunidades. Acabou, acabou, cara! Se chegou a velhice, brochou, brochou! Assuma a condição de avô e vá cuidar dos netos! Afinal, a natureza é sábia, precisamos viver sabiamente cada faixa etária...

Houve um hiato na conversa, caiu o papo. O mais novo quebrou o silêncio:

- Olha, cara, não se desespere. As “meninas” da nossa turma não vão zombar de você por ter brochado. Afinal, você é um septuagenário, não vão exigir tanta virilidade...

A conversa caiu novamente. E aquele que possuía uma visão mais antropológica da vida teve mais humor e retomou o papo:

- Não há mulheres se contentando em se relacionar com outras mulheres? Outra mulher tem bilau? Não!

- Então o quê, se não tenho filhos, nem sou avô? – insistiu o outro.

- Na relação homossexual, entre mulheres, não há bilau, mas há dedos, boca, língua. O que nós, idosos, também temos. Então...

- Então o quê? - perguntava o outro meio ansioso.     

- Então, você precisa mudar o tipo de cantada. A nossa virilidade está baixa, mas aprendemos com a vida, nossa relação vem enriquecida de experiência, com mais romantismo. Sexo não se faz apenas com penetração, senão, as mulheres não buscavam tanto outras mulheres para serem felizes...

Silêncio, cara de tristeza no interlocutor mais velho, mas o mais antropológico continuou:

- Precisamos ter mais resiliência. Uma mulher ao escolher um idoso para se relacionar tem a chance de passar a mão naquele semivivo, querendo reabilitação. Coisa que outra mulher não oferece nunca!

E continuou mais uma vez:

- Essa encucação acaba contribuindo com seu brochamento, solte-se e deixa rolar, assim a situação melhora. Devemos fazer do bilau mole uma vantagem!

Ambos riram daquela tese conformista, daquele novo jeito de ver a vida, de acordo com a realidade, senão dá de um jeito, dá de outro. O bilau numa trepada hétero tornava-se apenas uma possibilidade.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP 

Um comentário:

HAMILTON BRITO... disse...

Há que se ter em mente que sempre há alternativas...ao descobrir que o corpo inteiro é um órgão sexual , aumentam-se as possibilidades. De repente, passa-se a fazer amor de verdade e não apenas sexo.
Obs. não estou defendendo causa própria...AINDA.