AGENDA CULTURAL

15.1.15

Viver tudo, viver sempre

Hélio Consolaro*

Cada um tem uma história, viveu momentos diferentes, foi se construindo conforme as circunstâncias. Embora eu não tenha sido declaradamente um mulherengo, sempre adorei as mulheres, eram apenas fetiches sexuais, nunca fui romântico. Houve época em que me desesperava saber que não iria possuir todas elas, nem mesmo na imaginação.

Depois, elas mesmas foram me mostrando que não eram apenas isso. A vida não era só uma guerra entre sexos. Assim, fui buscando a riqueza do comportamento feminino.

O local de amor não se resume a um quarto de motel, nem só o orgasmo vale. Talvez, o fato de não ter tido irmãs, tenha me influenciado nisso.

Ainda cultivo o vocabulário “gostosa” para me referir a uma mulher linda, mas sei que esse qualificativo não é tudo. A beleza está muito mais num olhar prolongado, nos olhos, cada um buscando a alma do outro. Aquela empregada doméstica mirrada, com seu corpo surrado de tanto trabalhar, de sofrer na vida, pode esconder um frasco esplendoroso de perfume.

Não estou defendendo a mulher feia, nem atacando a bonita. Nessa deturpação civilizatória, quem mais sofre são as mulheres belas que às vezes se tornam sexualmente verdadeiras estátuas. Quantas paixões deixaram de ser vividas, quantas vidas se tornaram sofridas por causa da nossa má educação familiar, de nosso preconceito. Aplaudo o homem que teve coragem de se casar com uma puta, tirada da zona de meretrício. Descobriu a pérola num lugar inesperado.

Nesse processo de envelhecimento, estou descobrindo maravilhas, meu lado animal está atingindo a excelência. Se me chamam de idoso, aceito, sem problemas; se me chamam de avô, não escondo, tenho netos. Tento melhorar minha aparência, mas sem a preocupação de esconder a idade. Se a vida é uma caminhada para a morte, já estou próximo da chegada. Não sou uma vassoura velha querendo se mostrar nova.

As pessoas devem gostar uma das outras independente de sexo. Deus ou a natureza deixou um aplicativo dentro de nós como último recurso para evitar o isolamento, a solidão: a necessidade de procriar projeta-nos sobre o outro como forma de perpetuar a espécie, ou seja, o sexo.   

Não tenho só momentos felizes, mas procuro viver a vida plenamente, conforme ela me aparece. Quero viver tudo, quero viver sempre, até os últimos momentos, mas se eu não aguentar, fraquejar, me perdoem a incoerência, porque eu nasci para ser eu e não para ser coerente. Afaste de mim esse cálice.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu não podia, de maneira alguma, passar de liso diante dessa crônica. É o Consa se desnudando, mostrando-se todo como ele é. Uma sinceridade que nos toca, leva-nos à reflexão, e de um jeito muito seu pede-nos que nos mostremos também, jogando a hipocrisia para longe, muito longe, quem sabe lá num planeta que possa abocanhar todas as mazelas e maldades do mundo. Gostei Consa, e não há como não admirá-lo. Bié.