AGENDA CULTURAL

15.5.15

Não há aulas teóricas

Hélio Consolaro*

Meu neto Yuri ficou encantado com a chuva de granizo do último domingo. A professora explicou na escola o que era tal fenômeno, mas agora ele viu; na internet, havia fotos e vídeos, mas agora ele viu, registrou em fotografia com seu celular. Ouviu o barulho no telhado, viu as pedrinhas de gelo caírem no quintal.

Aquela cena interior, rica, ninguém conseguiu registrar a não ser ele mesmo. Parecia um menino bobo. Não, não era bobo, estava encantado, estava conhecendo o mundo, era a magia da descoberta.

A família é o primeiro microcosmo do recém-nascido. Nela a criança se torna corintiana ou palmeirense, solidária ou egoísta, católica ou evangélica. Bom ou mal profissional, porque nela se formam os hábitos.

Numa linguagem mais dura: a família fabrica bons ou maus cidadãos, pessoas preconceituosas ou não, aliás, todos os preconceitos nascem na família. Numa linguagem mais filosófica: é a filogênese se realizando na ontogênese.

Meu neto era corintiano (que frustração) enquanto convivia com o pai (também corintiano), mas se tornou são-paulino quando passou a ter um padrasto torcedor do São Paulo. A placenta da convivência foi mais forte.

Explorar o mundo, conhecer as coisas que nos rodeiam, admirar-se diante dos fenômenos naturais. Conhecer as pessoas, mas ter a certeza de que nunca as conhecemos plenamente. Isso é vida.
Todos os ancestrais percorreram os mesmos caminhos, tentaram e tentamos passar isso para os descendentes, mas é impossível. Nunca é demais o pleonasmo: a vida precisa ser vivida a cada momento.
Cada um precisa dar suas próprias cabeçadas, experimentar a vida com seus próprios pés. Como cantou Raul Seixas:
Eu calço é 37 / Meu pai me dá 36/ Dói, mas no dia seguinte / Aperto meu pé outra vez / Eu aperto meu pé outra vez

Pai já tô indo me embora
Eu quero partir sem brigar
Já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar

Se fosse diferente, não haveria mais erros. O mundo seria uma chatice, composto por robôs. Leia Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

Na vida, não há aulas teóricas.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escrito. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP 

Um comentário:

Flores da Vergonha disse...

Meu caro Hélio, as suas divagações filosóficas lembraram-me de uma passagem de um dos livros mais fascinantes que li, "A insustentável leveza do ser", de Milan Kundera: "nunca se pode saber aquilo que se deve querer, pois só se tem uma vida e não se pode nem compará-la com as vidas anteriores nem corrigi-las nas vidas posteriores. Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo o esboço não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro." Um grande abraço. Alaor Tristante Júnior.