AGENDA CULTURAL

11.11.19

Não deu para varar o circo


Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Fui ao circo Tihany acompanhado de meu neto. Comprei o ingresso mais barato e ele não gostou muito desse seu avô pão-duro, queria plateia plus.  Nesses dois comportamentos, residem as diferenças de nossas infâncias.

Na minha infância, na falta de dinheiro, os meninos pobres varavam o circo, passávamos pelos rasgos da lona, por baixo, rente ao chão. Quando pegos, levávamos bordoadas. 

Na infância do Yuri, vovô paga o ingresso, há ar condicionado no circo. Ainda há meninos pobres, mas não existe mais jeito de varar. Vedam tudo, segurança por todos os lados.  

Na minha infância, na Araçatuba de 60 anos atrás, os circos tinham mais importância cultural, passavam pela cidade mais amiúde. Era a nossa janela para o mundo. A mocidade sonhadora acompanhava o circo, fugindo de casa, porque ele era a única saída para se fugir da mesmice de uma cidade do interior. 

Mês sem espetáculo era chato. A presença do teatro no picadeiro era obrigatória. Nos circos foram revelados muitos artistas antigos de novela, humoristas e cantores. Ele era a nossa televisão.



Há uma década, um circo mambembe se acabou em Araçatuba.  Armou-se pela última vez no prolongamento da rua Pedro Janser, com as lonas rasgadas e os artistas na mendicância. Houve até campanha em Araçatuba para arrecadar ajuda ao circo agonizante. Símbolo da cultura circense no Brasil, em decadência.

O único pecado do poder público com os circos é a cidade não ter um terreno reservado aos circos, com infraestrutura, para que se livrem do aluguel e barateiem os ingressos. Como aparece um circo de vez em quanto, os prefeitos nem se preocupam com isso.

Um circo, como o Tihany, é uma empresa como qualquer outra, tem um modelo de gestão. Durante a permanência na cidade, donos e diretores dormem em hotéis, artistas dormem nos trailers. E o pessoal para o serviço pesado é contratado na cidade. 
Consa e seu neto Yuri

Tudo muito chão, igual, mas a magia do circo se dá na hora do espetáculo. A energia de cada artista,  contribuindo com o conjunto. Não lamento a ausência dos animais, mas o trapézio é indispensável, os trapezistas me encantam. 

Na volta para casa, comentávamos os números artísticos, o encanto das apresentações, até nos esquecemos que nossos ingressos foram o mais barato. 

Um comentário:

Unknown disse...

Minha infância foi como a sua. Eu ficava impressionado com o globo da morte. Lembro-me de quando passou no cinema "O maior espetáculo da Terra". Fiquei sonhando de um dia "varar a lona" de um circo americano.