AGENDA CULTURAL

22.12.19

Viver só, com alguém ao lado


Pintura de Andrew Wyeth
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

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A morte aos 92 anos de Francisco Brennand em Recife-PE me fez conhecê-lo (fato recente). Não posso chamá-lo de desenhista, ceramista, pintor e nem só de escultor, ele foi as quatro coisas. Então, o nome genérico mais conveniente é artista plástico.

O documentário de Mariana Brennand Fortes "Francisco Brennand, mestre dos sonhos" (2012), que assisti no canal de TV Curta!, me cativou. 
Desde 1971, viveu isolado em seu ateliê-oficina (um sítio) num bairro distante do centro da cidade do Recife.

A frase dita por ele durante o documentário "somos vários", quase um lugar comum, me levou a refletir mais fundo: somos vários na solidão e únicos na multidão. Não sei se tal frase já foi construída por alguém. Se foi, peço licença para usá-la em nome da intertextualidade para o possível autor.


Assim, fui pensando nas pessoas solitárias, que moram sozinhas. Se você, caro leitor, não tem ninguém para perturbar quando chega em casa, pedindo-lhe para deixar as coisas no lugar, também não há alguém com quem brigar. Sim, brigar também faz parte do espetáculo da vida. Conviver não é só "beijinho, beijinho, pau, pau".


O indivíduo solitário não tem medo de seus fantasmas, se conhece melhor, não se contenta apenas com barulho de gente numa mesa de bar. Sai de seu emprego, onde convive com vários, para adentrar a sua torre única. Se é para ficar bêbado, que seja sozinho.


Os artistas, em seu processo criativo, gostam da solidão, não querem ser interrompidos por ninguém. Esse ensimesmamento não permite a convivência com o outro. Só se houver um acordo de conduta entre os moradores da mesma casa.


Escrevo sempre, quase todos os dias tenho momentos de solidão, não sou um solitário contumaz. Preciso de alguém na mesma casa, que pelo menos me faça companhia com sua presença.


Os solitários convictos dizem que é melhor viver sozinho do que mal-acompanhado; já os solitários circunstanciais afirmam ao contrário: é melhor mal-acompanhado do que sozinho. Eu sou do segundo grupo.


Como não tenho uma olaria abandonada a meu dispor, como Francisco Brennand; há sempre alguém passando por meu cafofo, me chamando para eu almoçar, pedindo lápis e folha de papel. Essas interrupções nem sempre são oportunas, mas vivo num lar e preciso conviver: esposa, filhos, irmãos, netos. Optei por isso. Daí surgem as corujas humanas, que escolhe a noite como o melhor momento para criar suas obras. 


Os fãs de fanfarra não gostariam de ter a sede de uma na casa ao lado, ensaiando três vezes por semana; ter um artista na família, às vezes, não é tão chique, se torna um pesadelo. Canta Zeca Baleiro que artista bom é artista morto.


A solitude é uma solidão diferente, um estado inerente ao ser humano. Para que ele não se desespere diante da solitude, que não pode contar com a ajuda de ninguém na hora da morte. Por exemplo, um doente na fase do estado terminal tem presente a figura divina. Até o capeta se converte no leito moribundo. 


Assim o religioso dá a extrema unção dizendo: "Deus é fiel, não vai te abandonar. Segura na mão de Deus".


Pelo sim ou pelo não, tateando os caminhos da vida que sempre chegam à morte, eu digo que viver só é bom, mas com alguém ao lado. Francisco Brennan não era um solitário contumaz, naquela monstruosidade de olaria, havia muitos auxiliares.
 

Veja demo do documentário, clicando aqui.

Veja documentário da Funarte aos 90 anos de Francisco Brennand, clicando aqui