AGENDA CULTURAL

10.1.21

O camaleão reage à lei do mais forte

 

Canivete múltiplo, versátil

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Houve alguns anos atrás em que o cronista Tito Damazo só escrevia sobre o seu quintal. Eu morria de inveja, porque naquela época, eu estava com a vida muito atribulada, cuidando da cidade. Quem varria o quintal de minha casa, tinha lá algumas plantas nele, era a Helena.  

Nos dias atuais, tenho menos dinheiro e mais tempo, então cuido do quintal de minha casa. Há nele um oitizeiro com quase 40 anos, que na última seca quase morreu, precisei aumentar minha conta de água para socorrê-la

Fiz uma edícula e uma churrasqueira. Virou uma área de lazer da família, meu rancho, com cama elástica e uma piscina que muda de lugar. Antes da pandemia, recebia meus netos. Cuidava da árvore de um lado, e gastava água tratada do outro. Preciso tomar algumas providências.

De manhã, dou um passeio pelos vasos, verifico quais  estão com flores, como está a muda que transplantei, abasteço o bebedouro de beija-flor e a  vasilha de água das rolinhas, retiro algum galho quebrado das plantas. 

Enfim, dou uma geral, para socorrer e ser presenteado com flores e folhagens ornamentais. Há espécie que exige muito do jardineiro, a gente cuida, cuida, mas demora para soltar um pendão. De vez em quanto, aparecem pássaros diferentes, que não fazem parte daquele microcosmo. 

A gente vai cuidando e forma um pequeno ecossistema: lagartixas, rolinhas, beija-flor, bem-te-vi. O único bicho rejeitado, tratado aos gritos é gato, porque eles querem comer os passarinhos. Sei que fazem parte da cadeia alimentar, mas intervenho com toda força.    

Nesta semana, a água do bebedouro do beija-flor começou a baixar com rapidez. Pensei: "ladrão na área, vou observar mais". Preocupação à toa, afinal, devia ser outro ser vivente com sede, mas fiquei curioso.    

A Helena me disse que havia um casal diferente de passarinho no quintal. E me chamou. Vi os dois no oitizeiro. Cantavam um canto desajeitado, mas cantavam, pulavam muito, mas não eram tizius. 

Na figura, há um camaleão camuflado

Mobilizei minha rede de assessores ornitólogos. Afinal, sou presidente da Associação dos Criadores de Pardal - Acriapa, conheço os carcereiros de passarinhos da cidade. O único que me deu uma resposta lógica foi o Tadami Kawata: casal de melro.  

Fiquei contente com o morador. De repente, cuidando do quintal, levanto a cabeça, quem está mamando a água doce do bebedouro do beija-flor: o melro. Assentava, se agarrava com os pés, e metia o bico no furinho. A sua versatilidade de se ajeitar para tomar a água é sinal de inteligência.

O Tadami me informou que o melro é uma ave  canora, mas não tem canto próprio, não é compositor,  pois a sua melodia imita os pássaros da redondeza. Outra versatilidade do bichinho.

Agora, caro leitor, a conversa é com você que deve estar se perguntando: "Por que o Consa está contando essas lorotas do quintal deles? Para que preciso saber disso"?  

Então vai uma lição passada pelo melro. Ele mostra que a versatilidade (aprender com a nova realidade) é melhor que ter cabeça dura. Para matar a sede, aprendeu a agir como um beija-flor. Canta conforme a música local, pois se cantasse de modo diferente, talvez seria expulso do local. Não sei se bota ovo em ninho alheio, como faz o chupim. 

Há muitos humanos que agem assim para conseguir a sobrevivência, são observadores, dançam conforme a música, tornam-se agradáveis, até puxa-sacos. Se você não tem condições de competir, às vezes, não quer criar caso, a melhor saída é aderir. O camaleão reage à lei do mais forte, se confundindo com o meio ambiente.

3 comentários:

Unknown disse...

O cantinho da família deve ser um mini Paraíso. Você me convida para um dia eu ia visitar no período da manhã?

Hélio Consolaro disse...

Amigo anônimo, não sei quem é você, pois não postou seu nome, mas estou à sua disposição. Pelo jeito, sabe onde moro.

Gladiador disse...

Gostei muito do texto Helião. Grande abraço.