AGENDA CULTURAL

20.11.10

Passione

Foto: Valdivo Pereira
Um pit bull que estava solto pela rua Bandeirantes, em Araçatuba-SP, cidade com 180 mil habitantes, invadiu ontem a casa de Irene Jacobs Ribeiro, 83 anos, atrás de um gato e acabou atacando a aposentada. Ela lutou com o cão para salvar o bichano, que estava na boca do animal. Irene foi mordida nos braços e nas mãos(Folha da Região, 20/11/2010).
Hélio Consolaro*

Na primeira leitura da notícia, somos levados a pensar: “Que tinha de se meter em briga tão ancestral uma anciã de 83 anos!”. Que deixasse a natureza cumprir o seu desígnio...

Quantos ratos aquele gato já não tinha trucidado? Essa pergunta ela é maquiavélica, porque na vida quantas vezes nos apaixonamos por inimigos alheios? Não sou obrigado a ser inimigo do inimigo de meu amigo. Deixemos a vã filosofia de lado e vamos ao rés do chão.

Revoltado, o leitor pode se perguntar: quem era dono de cachorro tão feroz que andava às soltas pelas ruas da cidade a cumprir seu destino – perseguir gatos. Onde estavam os fiscais das posturas municipais?

Os inimigos do prefeito vão dizer:

- Por que não havia um guarda municipal naquele momento e local?

Ou algum leitor, oposicionista empedernido, vai escrever carta à Folha da Região, dizendo:

- O prefeito devia estar lá na hora para salvar Dona Irene das agressões do pitibul...

Confesso, caro leitor, que nesta minha hipótese maluca, não sei quem seria mais pitibul: o leitor oposicionista ou o cachorro invasor do lar de Dona Irene.   

Deixemos de lado os mexericos da província e vamos ao que interessa, ao universal, à parte mais nobre do fato.

E a Dona Irene fragilizada pela idade, que não tinha mais a obrigação de votar nas eleições, também não possuía o dever da solidariedade. Confesso, caro leitor, que minha covardia me seguraria na passividade. Não inventei os predadores da cadeia alimentar.

Está certo que o gato era um bicho de estimação da Dona Irene. O coração dela palpitou pelo felino, nem raciocinou. Como escreveu padre Vieira: “Usar de razão e amar são duas coisas que não se juntam”. Ela se esqueceu da idade, o comando do coração foi mais forte, tornou-se uma terceira fera e se jogou no meio da luta para viver ou morrer.     

Certamente, na juventude, Dona Irene viveu grandes paixões. Elas continuam sempre se manifestando sob várias formas, nunca envelhecem.       

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba-SP

Um comentário:

Patrícia Bracale disse...

Mexe comigo,
Mas não mexe c/ os meus...
Meu filho Caio sempre me pergunta:
-Mãe, a senhora vira uma leoa pra nos salvar?