Desde sua concepção, o reality show se alimenta de um conjunto de características humanas que, em condições normais, seriam tratadas com mais responsabilidade e sensibilidade: a ganância, a soberba, a sede por visibilidade e o desejo de ascensão financeira. O jogo é cuidadosamente construído para que os participantes se tornem peças de um tabuleiro mercadológico, onde suas virtudes e defeitos são expostos de forma a gerar engajamento e debate público. E, em muitas ocasiões, esse engajamento se dá à custa da dignidade dos envolvidos.
Muitos dos que aceitam o convite para participar do programa o fazem movidos pela esperança de mudar de vida, alcançar notoriedade e conquistar oportunidades futuras. Contudo, o que frequentemente acontece é a exposição extrema, o desgaste de sua imagem e, em muitos casos, a estigmatização. A edição, o recorte narrativo e a dinâmica da casa criam personagens que são amados ou odiados pelo público, sem que haja espaço para a complexidade humana.
O BBB e o Linchamento Étnico e Racial
Um aspecto particularmente preocupante do BBB é o que pode ser chamado de linchamento étnico e racial. Ao longo das edições, tem-se observado um padrão no qual participantes negros e periféricos são, frequentemente, os primeiros a serem eliminados. Ainda que haja exceções, a regra geral parece ser a de que esses indivíduos enfrentam julgamentos mais rigorosos do público e dos próprios colegas de confinamento.
Isso não acontece por acaso. O Brasil carrega em sua estrutura social um racismo profundo, muitas vezes velado, que se manifesta de maneira sutil em processos de exclusão como esse. No BBB, participantes negros são frequentemente cobrados de forma mais severa por suas atitudes, enquanto colegas brancos, mesmo cometendo erros mais graves, são mais facilmente perdoados ou redimidos pelo público.
Além disso, há um fenômeno curioso dentro da lógica do programa: aqueles que mais se envolvem em polêmicas e escândalos costumam permanecer por mais tempo, pois o conflito gera entretenimento e audiência. No entanto, quando esses conflitos envolvem pessoas negras, a tolerância do público parece ser menor, e a eliminação ocorre de forma rápida e implacável.
A Indústria da Exposição e o Papel do Público
O Big Brother Brasil não é apenas um reflexo da sociedade, mas também um agente ativo na reprodução de desigualdades e preconceitos. A forma como os participantes são retratados, o tipo de narrativa que se constrói em torno deles e a maneira como o público responde a essas histórias mostram como a mídia molda e reforça padrões sociais.
A grande questão que se impõe é: até que ponto a sociedade está disposta a continuar consumindo esse tipo de entretenimento? Até que ponto compactuamos com um sistema que transforma seres humanos em personagens descartáveis, usados para alimentar um ciclo de exposição, julgamento e esquecimento?
É fundamental que haja uma reflexão sobre o impacto desse tipo de programa na construção de valores e na percepção social sobre questões de raça, dignidade e respeito à individualidade. O entretenimento não pode ser uma desculpa para o reforço de desigualdades e a exploração da vulnerabilidade alheia.
Que essa reflexão possa levar a um consumo mais consciente da mídia e ao questionamento dos valores que estamos reforçando ao dar audiência a esse tipo de espetáculo.
*Marcos Benedito foi coordenador da temática racial da Central Única dos Trabalhadores (CUT), diretor da Secretaria Municipal de Políticas Cidadã da Prefeitura de Araçatuba. ZAP:18 99138-0989