AGENDA CULTURAL

26.4.25

Nas ruas lotadas de Roma, o testamento vivo de Francisco - por Jamil Chade


 Durante o cortejo entre a Praça São Pedro e a catedral onde foi sepultado o corpo de Francisco, as ruas lotadas de Roma para dar o último adeus se transformaram num testamento vivo do papa.

Enquanto o caixão passava e as igrejas tocavam seus sinos, milhares de pessoas nas calçadas jogavam flores, aplaudiram e choraram.

Francisco, em suas reformas, buscou romper com a lógica de uma Cúria que havia optado por preservar seus privilégios e poderes, em detrimento de sua doutrina social pelo mundo. Denunciou a hipocrisia de líderes políticos e religiosos, e por isso foi odiado por aqueles que instrumentalizam a fé.

Mas ruas de Roma estava a constatação de que parcelas importantes de cristão e ateus entenderam a mensagem do papa.

Fé e poder andam de mãos dadas no percurso da humanidade. A história da religião está repleta de noites sangrentas. Sempre me chamou a atenção como um tirano escolhia a religião que adotaria em seu reinado com base nas alianças que gostaria de construir, no poder que almejava conquistar. Tratava-se de uma decisão geopolítica, depois transformada em decreto que obrigaria cada súdito a rever suas crenças mais íntimas.

Se o cristianismo foi tão revolucionário ao dar espaço para mulheres e escravos naquele seu momento de nascimento da religião e tão rebelde por falar de igualdade, é perturbador como foram necessários quase 2 mil anos, escravidão, imperialismo, a aliança entre a cruz e a espada e genocídios em nome da fé para que alguns desses princípios se tornassem leis na Justiça dos homens.

Quando me sento diante do Guernica de Picasso, sou tomado por uma profunda repulsa diante da "sacralización" do golpe de 1936 na Espanha, transformado em guerra santa. Foi necessário o abalo sísmico da Segunda Guerra Mundial para que a busca por sentido da vida reaparecesse na agenda política. Claro, enquanto o genocídio era negro, indígena ou simplesmente longe dos olhos dos centros de poder, isso não parecia uma urgência.

No Brasil, vivemos mais um capítulo do sequestro da fé para fins políticos. Na busca por controle, vendedores de ilusões transformaram a aventura legítima de uma pessoa por um sentido na vida em instrumento de poder.


Charlatães que vendem esperança como política pública, em troca de votos e dinheiro. Criminosos que, diante de uma era de incertezas que nos afeta a todos, recorrem a instrumentos de persuasão. Usam a fé para legitimar a discriminação, o racismo e a violação aos direitos humanos.

A intolerância voltou a ser uma medalha que alguns carregam com orgulho no peito, inclusive por aqueles em postos de autoridade. Locais de oração foram transformados em palanques, enquanto armas se misturam com versículos da Bíblia. Sob o manto de Deus, a necropolítica é alçada a uma estratégia de poder.

Não consigo evitar um sentimento de profunda frustração quando ouço hipócritas que falam em fé quando destroem sonhos, vidas e liberdades de meninas. De cínicos que colocam o nome "Mulher" na porta de um ministério.

O papa, porém, nos ensinou nesses últimos anos que a oração deve vir acompanhada por uma ação coerente. Em muitas partes do mundo, o que está em jogo é a sobrevivência dos valores humanistas, de um projeto de democracia.

Uma espécie de tradução de alguns dos conceitos revolucionários do cristianismo.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2025/04/26/ruas-de-roma-lotadas-para-cortejo-se-transformam-em-testamento-de-francisco.htm

24.4.25

Minha vida católica


Hélio Consolaro*

A morte do papa Francisco me serviu para localizar minha faixa etária, quem são meus contemporâneos.

Se eu tivesse seguido o sacerdócio, seria hoje um cardeal ou um velho padre de uma capela de asilo de idosos.

Entrei na igreja Nossa Senhora Aparecida de Araçatuba, sendo carregado, para ser batizado com roupas novas, quando monsenhor Vítor Ribeiro Mazzei disse qual seria o meu nome.

Meus avós paternos foram meus padrinhos. Ganhar presente de padrinho era uma honraria, era a espera de todo afilhado.

Na Capela São Benedito, bairro Santana, Araçatuba, depois de abandonar a roça, aprendi catecismo com o seminarista José Waltrick (mora atualmente em Aracanguá).

Estudos concluídos, fiz a primeira comunhão pelas mãos do padre José Maria, com direito a foto. Tive a primeira conversa com Jesus.,

Depois disso, entrei no reino das fitas: amarela era da Cruzada; azul, dos Marianos. Depois disso, os padres começaram  perguntar obscenidades nos confessionários.

Com tantas contradições, passei a ter orgasmos com os catecismos desenhados pelo Zéfiro e trazidos pelo mestre Laurindo.

Dentre trevas e luzes, veio o papa João 23, com seu Vaticano II. Os papas antes dele eram chamados Pios. Assim o medo do pecado abandonou o céu, tomou conta a liberdade de viver.

Casei-me em Rosana-SP com Helena Nagai, outra católica, sob as bênçãos do padre José Sometti. Formei uma família.

Enviuvei-me. Minha namorada não falta à missa aos domingos. Quando soube disso, me descobri perseguido pelo catolicismo.

Os papas se humanizaram, mas a igreja continuou vetusta, monárquica e machista.

Alguns pregadores se apresentam modernos, sorrisos largos, mas são armamentistas, defendem seu patrimônio em detrimento da vida.

Como disse um estudioso de assuntos eclesiásticos, Francisco é mediático, preenche as telas da Globo, mas a igreja estrutural é conservadora e carrancuda, está de mãos dadas com os evangélicos conservadores. Aguardemos seu sucessor. Haverá retorno ou continuidade da ruptura? Rezemos. A minha vida continuará católica.

*Hélio Consolaro, professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba, de Andradina, Penápolis e  Itaperuna.

17.4.25

Na igreja dos fariseus


Hélio Consolaro*

Esse caso é verídico. Se aconteceu com você, não me acuse, caro leitor, porque nos templos é onde há uma multidão de fariseus, pecadores batendo no peito dizendo que está salvo, enquanto os outros estão na unha do capeta. Aliás, na hora dos cultos e das missas não há capeta para todo mundo, pois o demo é invocado por todos os pregadores.    

Então, caro leitor, na primeira fila da igreja, na hora da missa estava sentada uma família do bem e sobrou um lugar na ponta do banco. Um morador de rua resolveu entrar na igreja (é um direito dele) e ocupar justamente aquele lugar vago. A família, de pronto, levantou-se, deixando o mendigo sozinho. Uma desfeita. A homilia estava pronta para o padre, Deus ouviu suas preces, a inspiração chegou, mas não aproveitou, não teve sensibilidade.

De pronto, também, o morador de rua levantou-se e de pé fez sua pregação, bem melhor que a do padre:

- Fariseus! O seu Deus é o mesmo Deus a quem rezo! Gente de pouca fé, vem à igreja para cumprir a burocracia canônica.

O cara era culto. E o padre que não era esperto, ou não quis arrumar problemas com seus dizimistas, não se aproveitou da situação para usar o exemplo mandado por Deus para fazer a pregação.

Um afrodescendente, um moreninho (como costumam dizer os preconceituosos), saiu lá do fundo, levou o mendigo para se sentar-se ao seu lado. O morador de rua foi todo satisfeito, rindo para a assembleia. Não foi gente do bem quem o acolheu, era um simples como ele. 

Além de fariseu, havia na missa repressores, defensores da ordem, pois entraram na igreja dois soldados. Conversaram com o padre e foram embora.

O ponto cego está na quebra da formalidade, a missa virou uma bagunça. Para defender nossos interesses, quebramos a ordem de qualquer rito.

LENDAS DE UM ORTOPEDISTA

Toda cidade que preserva seus causos, sua história, suas lendas, aparece no acervo a de um médico ortopedista que ao fazer uma cirurgia, não marcou direito qual membro ia operar e fez besteira: trocou o lado, em vez do esquerdo cortou o direito.

Passei por isso nessa quarta-feira. Dr. Maurício Perina me convenceu a consertar meu joelho bichado. Apesar de saber da competência do cirurgião, pedi que queria ter prova concreta de que ele ia consertar mesmo o direito.

Não se fez de rogado, nos momentos finais, na mesa de cirurgia, descobriu a minha perna esquerda com as letras garrafais: NÃO escritas na pele da perna em pincel atômico. Com isso, a anestesia tomou conta de mim.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Academia Araçatubense de Letras

7.4.25

Trocar o joelho

Robôs humanoides são vistos como uma potencial solução para a solidão entre idosos

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Rezei muito quando era moço, enquanto criança também. Na vida adulta, voltei a rezar. Na velhice, estou vivendo da reza acumulada. Não é de tanto ajoelhar-me em oração que preciso trocar uma das rótulas, por ironia do destino, a da direita desgastou mais, está podre.

Estou a caminho do hospital da Unimed de Araçatuba como um carro vai para a oficina trocar o amortecedor. Fugi dessa cirurgia como o diabo foge da cruz, mas aos 76 anos, não aguentei mais. 

Na leitura da papelada de minha última avaliação médica (check-up), Dr. Gabriel Cortopassi, me disse com toda pompa de uma mensagem de que um médico gosta de dizer ao paciente: você está bem, parece um garoto de 20 anos, e tem mais 20 para viver. Está provado que ser linguarudo é saudável.

Com tantos anos pela frente, resolvi aligeirar meus passos. Deixar de ser caquético. Havia muita estrada para andar, festa para curtir.

Como disse minha filha: você está indo para o hospital como se fosse ao dentista extrair um dente. Enfrentar os problemas com alegria é a melhor alternativa.

Esses dias que antecederam a cirurgia me levaram às reflexões, eu me lembrei até da tia Hermínia. O desgaste da patela se deu devido a um genuvaro (pernas tortas, perna de alicate). O jogador Garrincha teve outro tipo de curvatura na perna. 

No meu caso, a esquerda endireitou (essa figura de linguagem se chama oxímoro), e a direita continuou curva, atrapalhada, me deixou com dois centímetros a menos, daí a produção de artrose, que produz dor. Ando a poder de analgésico robusto. Além da questão estética.  

Anos atrás. Eu via minha tia Hermínia (já idosa na época) na sua casa arrumando a cozinha quase dependurada na pia, por que os seus joelhos doíam muito. As duas pernas eram tortas. E não sabia que o destino me reservava o mesmo, um genuvaro pouco menos agressivo.

Com a atual tecnologia, cada velho se transforma num robô: óculos, transplantes dentários, aparelho auditivo, prótese de joelho, fêmur, além do tadalafila. As mulheres além das cirurgias plásticas, aplicação de botox etc.

Melhor mal acompanhado do que sozinho, nem que seja por um velho robotizado.      


2.4.25

O risco de ser adolescente hoje


Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP 

Assisti à série de quatro episódios ADOLESCÊNCIA, sucesso de 100% na crítica, 91% do público. Percentuais nunca vistos. Esquerda e direita aprovaram o seu conteúdo. Ela questiona a paternidade atual.

Sensibilizou até o governo inglês, que está mudando as coisas no país por causa da série. Não houve fato real, a série baseia-se em fatos reais.

Foi filmada em plano-sequência, ou seja, uma técnica de filmagem que registra uma cena inteira sem cortes de câmeraÉ uma técnica que pode tornar uma obra audiovisual mais realista e rica. Não existe mistério.

Pela internet, os portadores de baixa auto-estima encontram explicação na teoria do 80/20 e e se engajam na rede manosfera (misoginia - odeia as mulheres). Aparece na série o termo "incel", "incel" — celibatários involuntários, os homens que culpam as mulheres por seu fracasso sexual.

Alguns ícones são a figura de comprimido, símbolo dos "red pill" (referência à pílula que revela a verdade em "Matrix"), e o emoji de "100" — referência à teoria 80/20.

As escolas na série são apresentadas como jaulas, um ambiente de desamor, com professores desestimulados que precisam explicar coisa para quem não fez nenhuma pergunta, não tinha nenhuma dúvida a ser tirada. 

Os dois primeiros episódios são mais policiais, o terceiro é tenso, conversa dele com a psicóloga e o quarto apresenta a família viajando numa vã (pai, mãe, filha) 

SINOPSE

A vida da família Miller muda drasticamente quando Jamie (Owen Cooper), de 13 anos, é preso sob a acusação de assassinar uma colega de escola. Seu pai, Eddie (Stephen Graham), luta para compreender o que aconteceu, enquanto a psicóloga Briony Ariston (Erin Doherty) tenta desvendar a mente do garoto. O inspetor Luke Bascombe (Ashley Walters) lidera a investigação, determinado a descobrir a verdade por trás do crime. À medida que o caso avança, segredos são revelados e a linha entre inocência e culpa se torna cada vez mais tênue. A pressão da mídia e a opinião pública transformam a vida dos Miller em um pesadelo, colocando em xeque os laços familiares e a confiança entre pai e filho. Dirigida por Philip Barantini, a série marca mais uma colaboração entre ele e Stephen Graham, após o elogiado O Chef. Com uma abordagem intensa e realista, Adolescência explora o impacto devastador de uma acusação tão grave na vida de uma família, deixando no ar a pergunta: o que realmente aconteceu?

2025 | Policial, drama, suspensa
Título: Adolescência (Netflix)
Criado por Jack Thorne, Stephen Graham
Elenco: Setphen Graham, Owen Cooper, Ashley Walters  
Nacionalidade: Reino Unido 

      

30.3.25

Foi presa por que estava lendo

Carolina Maria de Jesus 

 Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP 

Há gente que gosta de ler biografias, aliás há pessoas que exageram, só gostam delas. A escritora brasileira (naif) Maria Carolina de Jesus (1914-1977) desde criança gostava de ler dicionário. Trata-se de um gosto esquisito, mas instrutivo, era o único livro que tinha. 

Ela nasceu em Sacramento, Minas Gerais. Nome bem católico. Hoje a escritora é o orgulho da cidade, mas no seu tempo de anonimato, foi a vergonha, chegou a ser expulsa.

Carolina de Jesus sentou-se na soleira da porta da sua casa em Sacramento com o dicionário no colo e foi lendo. De repente, fora abordada por soldados e presa porque estava lendo. Foi acusada de estar lendo o livro de São Cipriano. Ela dizia que não, que era um dicionário, mas os soldados não sabiam ler, ela não pode provar que dizia a verdade.

-Que livro é este, o do São Cipriano, que não pode ser lido por todos? - pergunta o leitor. 

Trata-se de ocultismo, bruxaria, que facilmente foi ligado no Brasil à cultura africana. Desde 1937, por iniciativa do constituinte Jorge Amado, há liberdade religiosa também para os negros, mas esse incidente com Carolina de Jesus aconteceu bem antes.    

Foi levada para a cadeia pública aos 12 anos. Apanhou porque estava lendo. Sua mãe foi a seu socorro, mas também ficou presa. Apanhou também. Sacramento virou um inferno. Negro lendo, negro era gente do trabalho, pessoas para serem espancadas. A princesa Isabel já assinara a libertação há alguns anos, mas foi apenas um ato burocrático. 

A menina, em torno de 12 anos, rebelou-se e foi para São Paulo, à procura da Estação da Luz sem a mãe, que não quis participar da aventura. Dizem que Carolina de Jesus saiu a pé, chegou a São Paulo caminhando. Criolo ainda não cantava "não existe amor em SP"

Veio atrás de seus direitos humanos, por ser pobre e preta também tem direito à literatura. Foi morar na Favela Canindé, capital paulista. Virou escritora, transformou-se na vedete da favela.

Num país em que uma menina negra apanhou porque estava lendo, isso há 100 anos, até que evoluímos, pois o combate ao racismo chegou aos campos de futebol.  

Carolina de Jesus era vocacionada para a literatura, queria exercer esse direito. Lutou, escreveu "Quarto de despejo - diário de uma favelada". Enquanto foi cordata, recebeu o prestígio da grã-finagem; quando passou a falar a verdade com todas letras, voltou à marginalidade. Se fosse viva seria uma fanqueira.    


25.3.25

Peixes envenenados na quaresma

Peixes podem se afogar? Apesar de parecer impossível, a resposta é sim. E as mudanças climáticas podem tornar isso mais comum. IA

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Há gente, por interesse (ou ignorância), que não adota o termo mudança climática. Negam.

Os partidários da terra plana têm horror ao termo “mudança climática”, que carrega uma carga semântica ideológica. Não acreditam que o ser humano esteja depredando o planeta. A desgraça acontece por obra de Deus, não há remédio. Se não chove é só fazer promessa para São José. São os negacionistas do meio ambiente.

Com esse significado para o termo "mudança climática", os grandes proprietários continuam destruindo o planeta sem nenhum limite ou punição: apodrecer os rios, envenenar a Terra com agrotóxicos. Deus deixou a Terra para o homem dominar, ou melhor, destruir.

Os ovos estão proibitivos ao preço que chegaram, as galinhas, com tanto calor, já não botam tanto em série. Devido ao clima, não há milho para todas. Na verdade, nos transformamos em exploradores vorazes dos galináceos. O pouco de ovos que sobrou no Brasil, o Trump ofereceu um dinheirão por eles, assim os granjeiros preferem vendê-los aos norte-americanos. 

O café, que não se trata de alimento de primeira necessidade, é mais um costume, uma tradição, vem caindo sua produção devido às mudanças climáticas desde 2021. A falta de água é considerada o pior dano para a lavoura.  

Vietnã, grande produtor de café, enfrenta dificuldades para encontrar terras adequadas para aumentar a produção. A seca no Vietnã afeta a produção local e pressiona o preço global dos grãos. 

Já estávamos com dois problemas, agora surgiu o terceiro. Os peixes estão morrendo afogados! Como? De tanto a gente jogar merda nos rios e córregos, de excesso de agrotóxicos na plantação, os peixes não resistem. Nem café, nem ovos e nem peixes, em plena quaresma. A mudança climática vai nos matar de fome.

Não estou falando lá de longe, o meu cenário é a região Noroeste do Estado de São Paulo, o rio Tietê, a granja Katayama, a torrefação de café Brasil. Até outro dia não se negava água para ninguém, hoje vender água é um grande negócio.

Se não der para comer peixe na Semana Santa porque até o curimbatá está envenenado. Reze assim mesmo, porque o grande culpado dessa desgraça não é Deus, somos nós mesmos, os seres humanos.

A profecia do velho pajé Tamãi, personagem do livro “Apenas um curumim” já está se concretizando: “Dia virá em que caraíbas ficarão com sede, muita sede, e não terão água para beber: os rios e lagoas e valos e regatos e até a água da chuva estarão sujos e podres. E chorarão. E continuarão com sede porque a água do choro é salgada e amarga...” (Werner Zotz)


20.3.25

PONTO CEGO: Confederação pró-armas em Araçatuba



Hélio Consolaro - Rádio Cultura FM 95,5

Foi realizada no dia 8 de março, no Hotel Mariah, em Araçatuba-SP, organizada pelo lLAN - Instituto Liberal da Alta Noroeste a CONFEDERAÇÃO PROARMAS.
O prefeito de Araçatuba Lucas Zanatta foi o mestre de cerimônias, com a presença do deputado federal Marcos Pollon, Campo Grande-MS, líder evangélico , o bispo Marcelo Toschi, (Igreja Amor e Cuidado), o presidente do PROARMAS São Paulo, Rodrigo Duque, além de Paulo Kogos, Tatiane Costa e Capitão Benitez!

O PROARMAS, oficialmente Associação Nacional Movimento Pro Armas (AMPA), é uma associação com sede no município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, que alega ter o objetivo de produzir conteúdo sobre armas de fogo e atuar pelo acesso civil às armas de fogo.
O PROARMAS foi fundado pelo advogado sul-mato-grossense, Marcos Pollon que é deputado federal pelo estado do Mato Grosso do Sul.
O ponto cego é que numa democracia cada grupo tem a liberdade de se organizar, mas quando se trata de armas, ficamos com um pé atrás. https://youtu.be/onMhlsLkJKg?si=btKdD6mHPlCC3b7d

PONTO CEGO: Lenhador apenas mudou de nome

 



Hélio Consolaro

Rádio Cultura - 95,5 FM - Araçatuba
Quarteirão onde funcionou por alguns anos, bem lá atrás, um cemitério e outrora "almoxarifado da Prefeitura, depois a sede da Acrepom. E agora é propriedade particular em construção. Um quarteirão enorme entre as ruas Marcílio Dias (dois quarteirões), a Gonçalves Ledo e Rangel Pestana.
Ontem ou anteontem, as árvores da calçada da rua Marcílio Dias, plantadas há uma década por um grupo idealista de cidadãos araçatubenses, autorizado pela Prefeitura fez plantio de várias árvores.. Elas estavam grandes, começando a fazer sombra. A empresa que iniciou a construção arrancou todas. Foi autorizada pela Prefeitura? Não importa se com ou sem autorização da burocracia, a qualidade de vida em Araçatuba caiu. O lenhador apenas mudou de nome.

19.3.25

Peguei o trem da vida

Astronautas da Crew-5 a bordo da Crew Dragon "Endurance" da SpaceX. Da esquerda para a direita: a cosmonauta Anna Kikina da Roscosmos, os astronautas Josh Cassada e Nicole Mann da NASA e o astronauta Koichi Wakata da JAXA (Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial). (SpaceX)

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Cada pessoa se acha a fina flor da terra. Ainda bem que a mãe nos dá lições de autoestima: "Que menininho bonitinho!". Ou "Eis a minha princesa!" A coruja sempre gabando seus filhotes. O corujão-pai não tem essa preocupação. 

A cápsula Dragon Endurance da SpaceX (cujo dono é Elon  Musk, o cara que manda no Trump) foi utilizada para a missão Crew-9, que retornou à Terra em 18 de março de 2025, que tinha em seu bojo quatro astronautas (termo usado pela Nasa): Nick Hague, Butch Wilmore e Suni Williams, e o cosmonauta (termo usado pela  Roscosmos) Aleksandre Gorbunov.

Eram para ficar (dois deles) oito dias, mas voltaram após nove meses. Dizem que nada enguiçou, só foi mudança no projeto. Desculpa de norte-americano. Esse período estendido  (9 meses) me remeteu ao útero da mulher, o tempo de gravidez.

O nosso tempo de vida na Terra se parece com duração das cápsulas. Não se entusiasme, caro leitor, são meras metáforas desse louco cronista.  A fecundação é o encontro de duas cápsulas (óvulo e espermatozoide). Enquanto se encontram, geram um novo ser, chama-se fecundação.

De repente, ou seja, nove meses depois, nasce a criatura (ou criaturas) gerada. Há uma expulsão da cápsula útero e o novo ser vai se adaptando. Nascimento. Durante sua andança no planeta, vai se adaptando e criando novas cápsulas. Elas vão perdendo a energia, envelhecendo, e são enfiadas em novos buracos, a cápsula da putrefação (túmulo).      

As pessoas transcendentalistas dizem que emana da cápsula uma nova energia (espírito) que encarna noutro ser. Os imanentistas (religiões orientais) afirmam que os fragmentos da antiga cápsula formam outra. Depois dessa sequência, não consigo perseguir a caminhada, não entendo mais nada.    

Eu costumo contar uma história mais simples, resumida, para diminuir a minha responsabilidade aqui na Terra. Cronista é um sujeito folgado. Nasci, peguei o trem da vida já andando e continuei a viagem. 

Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar... 

(Poema Trem de Alagoas, de Ascenso Ferreira)

Para alguns, a vida é curta, para outros, longa. E o trem vai caminhando e eu nele, de repente, vou descer do trem. E ele continua a viagem, recolhendo os viajantes. 

 Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...

(Poema Trem de Alagoas, de Ascenso Ferreira)

Não serei mais passageiro. Morrerei. Então, caro leitor, se a vida é esse treco, tão simples, por que complicar as coisas? Não somos astronautas e nem cosmonautas! 

 

15.3.25

Big Brother Brasil: miserabilidade e linchamento - Marcos Benedito


O Big Brother Brasil (BBB) consolidou-se como um fenômeno midiático de grande alcance, atraindo milhões de espectadores a cada edição. No entanto, por trás do espetáculo televisivo, há um enredo que se baseia na exploração da miserabilidade humana, no estímulo ao conflito e na manipulação dos sentimentos e emoções dos participantes. Trata-se de um programa estruturado para potencializar tensões, alimentar rivalidades e transformar a vida privada em um espetáculo público, sempre visando a maximização da audiência e do lucro.

Desde sua concepção, o reality show se alimenta de um conjunto de características humanas que, em condições normais, seriam tratadas com mais responsabilidade e sensibilidade: a ganância, a soberba, a sede por visibilidade e o desejo de ascensão financeira. O jogo é cuidadosamente construído para que os participantes se tornem peças de um tabuleiro mercadológico, onde suas virtudes e defeitos são expostos de forma a gerar engajamento e debate público. E, em muitas ocasiões, esse engajamento se dá à custa da dignidade dos envolvidos.

Muitos dos que aceitam o convite para participar do programa o fazem movidos pela esperança de mudar de vida, alcançar notoriedade e conquistar oportunidades futuras. Contudo, o que frequentemente acontece é a exposição extrema, o desgaste de sua imagem e, em muitos casos, a estigmatização. A edição, o recorte narrativo e a dinâmica da casa criam personagens que são amados ou odiados pelo público, sem que haja espaço para a complexidade humana.

O BBB e o Linchamento Étnico e Racial

Um aspecto particularmente preocupante do BBB é o que pode ser chamado de linchamento étnico e racial. Ao longo das edições, tem-se observado um padrão no qual participantes negros e periféricos são, frequentemente, os primeiros a serem eliminados. Ainda que haja exceções, a regra geral parece ser a de que esses indivíduos enfrentam julgamentos mais rigorosos do público e dos próprios colegas de confinamento.

Isso não acontece por acaso. O Brasil carrega em sua estrutura social um racismo profundo, muitas vezes velado, que se manifesta de maneira sutil em processos de exclusão como esse. No BBB, participantes negros são frequentemente cobrados de forma mais severa por suas atitudes, enquanto colegas brancos, mesmo cometendo erros mais graves, são mais facilmente perdoados ou redimidos pelo público.

Além disso, há um fenômeno curioso dentro da lógica do programa: aqueles que mais se envolvem em polêmicas e escândalos costumam permanecer por mais tempo, pois o conflito gera entretenimento e audiência. No entanto, quando esses conflitos envolvem pessoas negras, a tolerância do público parece ser menor, e a eliminação ocorre de forma rápida e implacável.

A Indústria da Exposição e o Papel do Público

O Big Brother Brasil não é apenas um reflexo da sociedade, mas também um agente ativo na reprodução de desigualdades e preconceitos. A forma como os participantes são retratados, o tipo de narrativa que se constrói em torno deles e a maneira como o público responde a essas histórias mostram como a mídia molda e reforça padrões sociais.

A grande questão que se impõe é: até que ponto a sociedade está disposta a continuar consumindo esse tipo de entretenimento? Até que ponto compactuamos com um sistema que transforma seres humanos em personagens descartáveis, usados para alimentar um ciclo de exposição, julgamento e esquecimento?

É fundamental que haja uma reflexão sobre o impacto desse tipo de programa na construção de valores e na percepção social sobre questões de raça, dignidade e respeito à individualidade. O entretenimento não pode ser uma desculpa para o reforço de desigualdades e a exploração da vulnerabilidade alheia.

Que essa reflexão possa levar a um consumo mais consciente da mídia e ao questionamento dos valores que estamos reforçando ao dar audiência a esse tipo de espetáculo. 


*Marcos Benedito foi coordenador da temática racial da Central Única dos Trabalhadores (CUT), diretor da Secretaria Municipal de Políticas Cidadã da Prefeitura de Araçatuba. ZAP:
18 99138-0989