Texto d eThaisa Alves , revista Fórum
Fui surpreendida ontem à tarde por um vídeo que passeou muitas vezes pelo meu feed. Ele mostra uma mulher que foi flagrada pelo marido saindo de um motel com um amigo dele. O autor do vídeo é outro amigo do marido, e o ajuda a te rechaçar, Fabíola.Traição é mesmo uma coisa muito mal vista numa sociedade onde a monogamia é compulsória. Se havia um acordo de fidelidade entre você e seu marido, é fato que ele foi quebrado. Mas quem sou eu pra julgá-la nesse tribunal chamado Facebook, onde o júri quer sempre guilhotinar a mulher? Todos têm teto de vidro e ninguém tem o direito de julgar alguém.
Por que seu marido te bateu, Fabíola, se não tem esse direito? Por que não bateu no amigo, mas no carro dele? Por que só você é criticada, uma vez que não foi ao motel sozinha? E o que mais me intriga: por que as pessoas estão dando tanta visibilidade à essa traição? Homens traem o tempo inteiro e são ovacionados por isso, e as desculpas são sempre as piores possíveis. Ninguém disse que seu marido não foi homem suficiente pra prendê-la, nem questionaram como anda a sua vida de casada e nem quiseram saber se seu marido te faz feliz.
Você é mais uma mulher a ser escrachada pelo patriarcado. Puta, vagabunda, vadia. “Fique com a guarda das crianças”, alguém escreveu. E o melhor amigo nessa história? Como fica? Não fica. Tudo o que se fala é que ele foi um traidor e nada mais. Xingamentos? Escracho? Nenhum, afinal, ele é homem e é normal que ele fique com a mulher do amigo porque “homem age muito por instinto”.
O outro amigo e autor do vídeo não tinha o direito de te expor, Fabíola. Seu marido agressor não é seu dono, você não é uma coisa. Seu corpo pertence somente à você. O tempo de “Amélia” já passou! Homem nenhum tem o direito de agredir mulher, e embora as estatísticas mostrem que a violência doméstica ainda faz muitas vítimas, os comentaristas de redes sociais dizem que você apanhou pouco. Mas o que esperar de uma sociedade que não deixa a sua presidentA dar um passo sem ofendê-la, não é? Falam ainda que seu marido foi muito controlado diante de uma situação dessas. Porque arrebentar um carro e bater na esposa são mesmo sinais de muito controle.
Sua vida, agora, virou um inferno. O marido que a agrediu – o que é inadmissível – está sendo aplaudido. Se fosse ele o adúltero da história, ainda seria protegido. Você seria a culpada por “não ser mulher suficiente pra segurar o marido” e a amante seria a vagabunda da vez. Isso deixa evidente como a estrutura machista é tão forte que, não importando a posição da mulher, a culpa é sempre dela.
Na mesma semana, uma mulher foi assassinada pelo marido depois de flagrá-lo na boate e descobrir que ele frequentava casas de prostituição. Cadê as pessoas julgando esse assassino? Cadê o grito dessa sociedade moralista que não suporta traição? Onde estava esse júri virtual pra condenar o assassino e gritar pra fazer justiça à mulher morta? Silêncio. Ninguém que te condena rechaçou esse homem. O patriarcado é responsável por essa blindagem que nos mostra como o ódio por você não tem relação com o seu ato, é apenas discurso de ódio e misoginia.
Fabíola, todos cometemos erros. Homens traem todos os dias e esse mesmo júri que te condena os absolve, sob o argumento de que “homens são assim mesmo”. Não deixe que o patriarcado acabe com a sua vida. Você não é um monstro. Não merece ficar escondida dentro de casa. Você é bem maior que isso tudo!