AGENDA CULTURAL

30.12.17

A farinha-seca da praça João Pessoa de Araçatuba-SP

Foto do site Regionalpress- Araçatuba
A segunda árvore ao chão, depois do temporal de 26/12/2017
Há 13 anos a árvore farinha-seca estava na praça João Pessoa, que foi reformada por comando do professor Arthur Leandro Lopes no ano 2000, quando o Brasil completava 500 anos. Então, deram ao lugar um novo nome "Praça dos 500 anos".Nem o nome e nem a reforma duraram muito.

Lá havia uma lendária farinha-seca, troncos grossos, imponente até onde pôde, porque o seu porte natural não é tão grande assim. E também a farinha-seca é uma árvore plebeia, sem estirpe, da categoria subalterna.

Mas antiguidade vence qualquer obstáculo, então aquela centenária árvore era testemunha solitária da devastação praticada com nossas florestas. Havia um xodó da população mais idosa por aquele exemplar.


A Prefeitura de Araçatuba precisou arrancá-la, pois seu tronco enfraquecido era uma ameaça à segurança das pessoas, principalmente numa praça que sediava  eventos culturais. Houve uma revolta, ninguém acreditou no prefeito da época. Jorge Maluly Neto. Para que o burburinho se silenciasse, houve o replantio no Dia da Árvore de 2004.

Na época, como cronista diário da Folha da Região, escrevi uma crônica analisando a queda da farinha-seca, intitulada "Árvore ordinária", que se encontra reproduzida logo abaixo desta página. 

A Prefeitura de Araçatuba plantou mal, em cova rasa e o temporal do dia 26/12/2017 derrubou a mocinha farinha-seca. Ninguém se queixou, nem pediu o replantio da árvore. Caiu como um trabalhador da construção civil, não houve choro por sua morte.      
Foto da Câmara Municipal de Araçatuba
A sombra pela metade de uma árvore na foto parece ser da primeira farinha-seca


Árvore ordinária

Tombou a farinha-seca da praça João Pessoa. Engana-se quem achar que o verbo “tombar” foi empregado aqui no sentido de  pôr a árvore sob a guarda do poder público. Caiu no chão mesmo, como se fosse uma velha senhora que não suportasse mais a vida.
Certamente, deu muitas flores, mas não deixaram que tivesse descendentes, pois suas sementes caíram em lugares ladrilhados, pedregosos e não germinaram.
Não havia em volta dela um arvoredo de farinhas-secas, apenas ela, solitária, que agora foi substituída por uma congênere.   
Árvore ordinária, sem nobreza,  que escapou de uma queimada por milagre. Agora, todos nós tínhamos um apego a ela, como se fosse aquela empregada da casa que nos viu crescer. Ela foi ficando, ficando, resistindo aos baixos salários. De repente, se transformou em patrimônio da família, rainha.
As pessoas mais antigas de Araçatuba não amavam a farinha-seca. O ser humano não chega a tanto desprendimento, pois estamos sempre voltados para nós mesmos.

Praça João Pessoa, Araçatuba - palco Tom Jobim
Já estão descobrindo, caro leitor, que os caridosos nada de têm de bondade, eles são apenas narcisistas. Já que não são bonitos e nem possuem talentos, buscam o amor dos outros pelo altruísmo, fazendo o bem para que sejam reconhecidos.
Então, a farinha-seca apenas trazia reminiscências aos mais velhos de Araçatuba, que viam nela velhos tempos de crianças e jovens. As lágrimas eram apenas lembranças daquele corpo saudável que envelheceu junto com a farinha-seca.
Na verdade, foram os antigos que desmataram a região em menos de um século, transformando-a em terra arrasada, como está hoje. Árvore boa era árvore tombada.
Amamos a farinha-seca, ensinamos as crianças a plantar árvore no dia 21 de setembro, mas detestamos o oiti que encobre o letreiro de nossa loja. E veneno nele! Motosserra nele!
Não fique chateado comigo, caro leitor. Este cronista também teve seus  olhos hipocritamente umedecidos com a queda da farinha-seca, porque também namorou na praça João Pessoa.
O lugar era meio penumbroso, com luzes fraquinhas, disputadíssimo pelos casais que gostavam de garros, de rapazes que beijavam a alma da amada. A farinha-seca testemunhou muitas carícias entre namorados.
Apesar de toda essa hipocrisia, comemoremos nossos grandes atos. Afinal, a espécie humana é essa coisa contraditória, sem cura e salvação.
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Enalteçamos o que há de nobre, escondamos a mesquinharia embaixo do tapete. A vida continua... Meio seca, mas continua...  (22/09/2004)

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras

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