AGENDA CULTURAL

12.4.18

Duro mesmo era não ter o que fazer


Hélio Consolaro*

Na minha adolescência, enquanto eu não arrumava um trabalho mais fixo, vendia banana na rua. Meu pai comprava os cachos de bananas verdes, punha-os para amadurecer num cômodo de uma casa quase sem cômodos do bairro Santana, o bairro mais periferia da antiga Araçatuba, onde a maioria dos moradores eram ferroviários e negros. 

 Bater palmas e oferecer o produto àquela pessoa indisposta de abrir a porta:

- A senhora quer comprar banana?

Já foi a minha ocupação. Não desistia, não culpava ninguém, achava que era natural o mundo ser assim, era vontade de Deus. Eu ia fazendo minha parte, estudava. O estudo era a única luz no túnel. Senão me levantava bem cedo para trepar numa carroceria de trator para chegar ao algodoal do japonês e ganhar por arroba apanhada.   



Ou então ser office-boy, entregando faturas e duplicatas pela grande cidade que na verdade era um terço do que é hoje, em bicicletas sem breques, com ruas de pedras enterradas com as pontas para cima para rasgar os pneus da magrela. Mas também lavei cachorro de madame em domicílio, a raça pequinês. Nessa última atividade, encontrei uma santa que me fez funcionário público. Aí adotei a filosofia que é melhor pingar do que secar. 

Com 12 anos, duro mesmo era não ter o que fazer, percorrer o comércio da rua Marechal Deodoro de porta em porta, perguntando:

- O senhor tem trabalho para mim?

Pior do que isso é só pedir voto para si mesmo em época de eleição. Só não sofri mais porque era um menino branco.



Refleti sobre isso neste espaço porque estou com alguns amigos, amigas, pais e mães de família desempregados. Não vão precisar bater de porta em porta querendo trabalho, porque agora há o artifício do currículo, mas o sofrimento é o mesmo. 

A realidade tecnológica mudou. Só os alienados ainda acham que Deus quer o sofrimento dos pobres. Os bem aquinhoados sabem que suas vidas nababescas são construídas pela miséria da maioria desencontrada. E os que querem um novo homem, uma nova sociedade, se perdem pelo caminho.  

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

   

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