AGENDA CULTURAL

15.11.19

Não gostar da cidade onde mora


Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Tenho uma amiga que é uma velha roqueira, mas é também uma roqueira velha. Ela assumiu a poesia no comportamento, não cantava e nem tocava instrumentos. Nunca fez nada no campo da filantropia. A única obra bonita que fez foi uma filha.

Aposentou-se, porque essa roqueira de meu texto tinha emprego, não aprendeu nada das prendas domésticas, ações que ocupam uma mulher na velhice. Nem rezar sabe. Parou de vez. Endoidou.

Acorda de manhã e só tem o café da manhã para fazer. Não consegue elaborar uma nova rotina, mesmo envolvendo o rock.  Correr atrás dos festivais, impossível; a aposentadoria é  pequena.  

Com esse espírito, a cidade que mais amava, onde nasceu, passou a ser um inferno. Eu me encontrei com ela andando pelo calçadão e aproximou-se aos prantos. Quer se mudar, procura outra cidade para morar. Ela não consegue analisar a nova realidade, o porquê disso tudo estar acontecendo com ela. Talvez seja uma fase passageira.

Passei-lhe verbalmente uma parábola de Roberto Shinyashiki, um autor de livros de autoajuda.

PERSONAGEM 1: um sujeito foi de manhã comprar pão na mercearia e fez uma pergunta ao balconista, o dono, se aquela cidade era boa para se morar, pois havia se mudado há poucos dias para cá. E o balconista lhe devolveu a pergunta: 

- Como era a cidade de onde veio? 

O cliente recém-chegado  se queixou muito da cidade onde morou, um lugar insuportável. Então o dono balconista concluiu: 

- Olha, esta cidade é igual àquela que você deixou.

PERSONAGEM 2: no outro dia, outro morador recém-chegado àquela cidade fez a mesma pergunta ao balconista da mercearia:

- Como é esta cidade? 

O balconista fez a mesma pergunta do outro dia:

- Como era a cidade onde morava?

- Era muito boa, vim para cá meio forçado, porque fui promovido na empresa.

O balconista fez a mesma afirmação:

- Esta cidade é igual àquela onde morava.

O balconista era demagogo? Falava aquilo que o cliente queria ouvir?

Não. Em forma de parábola, ele deu aos dois a mesma lição: quem faz o lugar onde moramos somos nós mesmos. Depende muito de nosso estado de espírito.

Assim que terminei de contar a parábola de Roberto Shinyashiki à amiga roqueira, ela parou de chorar, ficou pensativa. E me disse:

- Você é terrível, hein! Jogou a culpa de tudo nas minhas costas.

Respondi-lhe que não trabalho com os conceitos de pecado e pecador, a gente precisa resolver nossos problemas, sem procurar culpados, procurar um caminho para a solução deles.

E continuei:

- Sou um croniqueiro, filósofo do cotidiano, escrevendo algumas besteiras aos 71 anos. 

3 comentários:

Unknown disse...

Uma lição... problema não está nos ambientes e sim em si.

Jackie @belhuda disse...

Mestre, tens muita razão. A lógica embutida nas consequências dos atos, são o que impulsiona o indivíduo. Cabe à ele chutar para direita, esquerda ou para o gol! As pessoas têm o péssimo hábito de culpar o "além" de si, para as coisas. Não percebem que colhem o que plantaram lá atrás!

Jackie @belhuda disse...

Mestre, tens muita razão. A lógica embutida nas consequências dos atos, são o que impulsionam o indivíduo. Cabe à ele chutar para direita, esquerda ou para o gol! As pessoas têm o péssimo hábito de culpar o "além" de si, para as coisas. Não percebem que colhem o que plantaram lá atrás!