Hélio Consolaro*
As experiências mais banais são eivadas da vã filosofia.
Os milagres existem, bastam vê-los, fazer uma leitura da realidade. Pior cego é
aquele que não quer enxergar por trás dos fatos, a sua essência, a sua transcendência.
Todas essas premissas estão relacionadas entre si.
Visitar parentes por exemplo. Há duas alegrias neste
fato. A primeira, quando a visita chega; a segunda, quando ela vai embora. As
duas estão nas duas pontas: quem vai, quem fica.
“Quem vai não” vê a hora de voltar a seu canto, dormir na
sua cama. “Quem fica” quer ver de volta a rotina da casa, ter sua intimidade.
Se a casa for pequena ou um minúsculo apartamento é quase
impossível receber visitas, não há onde deixar o corpo descansando. Se
insistir, a casa vira uma cama de gato.
Quando a pessoa melhora de vida, não se sujeita a se
amontoar em colchões esparramados pelo chão, por isso o caminho natural é
visitar parentes ou amigos, mas se hospedar em hotéis.
Meu irmão caçula, na beirinha dos 50 anos, não se hospeda
na casa de minha mãe quando vem visitá-la em Araçatuba. Solteirão, há muito
tempo morando só, não suporta muvuca familiar. A velhinha octogenária, que tem
em sua casa um quarto reservado para visitas, não suporta isso, considera tal
atitude filial uma desfeita, sofre em silêncio.
Ao ir ao casamento de um sobrinho em Londrina, não me
hospedei com a família em casa de parentes, pois os anfitriões estavam muito
atarefados. Então fomos para hotel. Ficaram com a cara virada conosco por algum
tempo.
Para Catalão-GO, fomos visitar o filho, acompanhados da
esposa, família da filha, éramos seis adultos e três crianças num apartamento
que não podia ser chamado de quitinete porque havia dois quartos, sala e
cozinha. Bem que eu pensei em ficar num hotel, mas íamos nos privar da
convivência, das bagunças com os netos, das gargalhadas.
Não se trata de pobreza, mas também o é, porque o pobre pratica
mais o acolhimento: onde dormem dois, cabe mais um, pois os abastados que se
julgam autossuficientes privilegiam mais o conforto que a convivência.
Visitar casa de parentes e não se hospedar nela é como
rejeitar a manjedoura, é implodir o presépio.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor.
Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP
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