Somos todos, desde o nascimento, dotados de altruísmo. Mas
esse instinto natural está sendo destruído pelas exigências da vida moderna –
com destaque para o consumismo e a produtividade insustentáveis. É o que afirma
um novo livro do psicoterapeuta britânico Graham Music
7 DE MAIO DE 2014
Por: Luis Pellegrini - Revista digital Oásis
“Em nossa sociedade, estamos perdendo empatia e compaixão ao
lidar com as outras pessoas”, afirma Graham Music, conhecido autor e
psicoterapeuta de crianças e adolescentes nas clínicas Tavistock e Portman, em
Londres. Em seu novo livro "The Good Life: Wellbeing and the new science
of altruism, selfishness and immorality" (A boa-vida: O bem-estar e a nova
ciência do altruísmo, egocentrismo e imoralidade) que será lançado na
Inglaterra no final de maio, Graham Music sugere que as mudanças sociais e comportamentais
atualmente em curso, bem como a mudança do próprio sentido da relação humana no
seio de uma sociedade cada vez mais injusta e desigual produz, como primeira
consequência, o esfriamento do coração das pessoas.
Segundo esse psicoterapeuta, todos nós temos propensão para
nascer dotados de um coração grande e gentil, mas, muito cedo, levados pela
educação e os condicionamentos, somos mais e mais empurrados para sermos
egoístas e frios.
“Existe uma grande quantidade de evidências de que a velocidade
insana da vida de hoje, e a ansiedade dela resultante, tem um enorme impacto
sobre a forma como lidamos com as outras pessoas. Nós todos sabemos disso, mas
parecemos não nos dar conta da gravidade do problema. Vivemos em um mundo
homem-lobo-do-homem e temos de nos manter perpetuamente vigilantes para não
sermos devorados. Mas o preço dessa vigilância incessante é o estresse. E com o
estresse ocorrem mudanças realmente fundamentais em nosso comportamento. Os
resultados desse processo são muito empobrecedores, em todos os sentidos,
sobretudo no que diz respeito à saúde, à expectativa de vida e à felicidade”,
alerta Graham Music.
Reality-shows exercem péssima influência
No ano passado, um estudo levado a cabo pela Universidade de
Michigan demonstrou que adolescentes expostos às crueldades apresentadas nos
reality-shows hoje levados ao ar pelas televisões em todo o mundo, tornam-se
socialmente ainda mais agressivos. Programas como Big-Brother, X Factor,
Britain Got Talent, e muitos outros da mesma linha, são famosos por transformar
em entretenimento situações de brigas, conflitos e discussões vulgares e
fúteis, bem como os julgamentos cruéis e muitas vezes humilhantes de outras
pessoas.
Graham Music afirma que essas situações explícitas de
maldade apresentadas em programas televisivos do gênero é um exemplo claro de
como e o quanto estamos nos tornando frios em relação ao sofrimento alheio.
Este novo livro de Graham Music será o mais recente de uma
série de publicações que sugerem a ocorrência na atualidade de um sério
desequilíbrio sócio-comportamental no Reino Unido. Tais obras reúnem décadas de
pesquisa experimental social e baseiam-se na experiência de seus autores que,
como Music, são sociólogos ou psicólogo-sociais. Mas, extrapolando os limites
da Grã-Bretanha, suas conclusões pintam um quadro sombrio da sociedade
ocidental como um todo: Um mundo que vê a cada dia mais minada a sua tendência
natural para a empatia, ao mesmo tempo em que caminha a passos largos para a
sordidez social.
Em seu livro, Music contesta a noção – defendida por algumas
escolas de psicologia - de que as crianças nascem egoístas. Ele aponta uma
série de experimentos realizados no Instituto Max Planck, na Alemanha , quando
dois grupos de crianças de 15 meses foram colocados em salas onde um adulto
fingia precisar de ajuda. Em um dos
grupos, as crianças foram avisadas que ganhariam uma recompensa se fossem
ajudar o adulto necessitado. Para o outro grupo nada foi dito, não havendo
portanto nenhuma recompensa em questão. Nos testes, no entanto, a imensa
maioria das crianças dos dois grupos correram igualmente para ajudar o adulto
em apuros, mostrando que o estímulo do prêmio era desnecessário. A criança
corre em ajuda do outro obedecendo a um simples e natural instinto de
solidariedade. Ela não precisa ser “comprada” para que isso ocorra.
Outros estudos mostram que as crianças se sentem mais
felizes dando do que recebendo, diz Music. “Temos evidências de que
adolescentes que se propuseram a praticar pelo menos uma boa ação por dia
tornam-se menos ansiosos e deprimidos. Nós evoluímos para sermos úteis, para
não negarmos ajuda ao próximo carente e para ajudar sem expectativa de
recompensa. A recompensa não torna ninguém feliz. Algo de muito fundamental é
perdido quando recompensamos certas atitudes e comportamentos. Todos nós
sabemos disso, mas perdemos esse fato de vista quando nos deixamos sugar para
dentro do ethos consumidor, quando nos deixamos convencer por essa insistência
profunda de que necessitamos de um novo iPhone ou de uma nova cozinha para
sermos felizes. Quando nos tornamos prisioneiros dessa convicção errônea,
tendemos a repetir o gesto e a consumir mais e mais. Os vetores do capitalismo
pós-industrial em prol do consumismo, bem como os apelos constantes da mídia,
trapaceiam nossas necessidades tornando-as falsas. A verdade é que não se pode
vender – nem comprar – bem estar e felicidade”.
Music também aponta o estresse que vivemos quando nos
mantemos num estado permanente de conflito representado pelo “lutar ou fugir”.
“Não faz nenhum sentido interessar-se pelos outros, por aquilo que os outros
sentem ou pensam, se o nosso sistema nervoso está em permanente estado de fluxo
e de agitação”, ele diz.
O livro detalha também diversas experiências sociais,
incluindo uma de 1973, quando estudantes de teologia foram informados de que
tinham de dar uma palestra sobre a parábola do Bom Samaritano. À metade foi
dito que deveriam fazê-lo imediatamente, e ao resto foi dado um tempo de
preparação. Quando, todos juntos, os alunos saíram da sala, eles passaram por
um ator que simulava estar necessitando de ajuda. Os alunos que tinham de dar a
palestra quase em seguida passaram pelo homem e praticamente o ignoraram. Mas
os outros, que dispunham de mais tempo, pararam para ajudar.
“A velocidade da vida exerce um impacto sobre o nosso
altruísmo”, diz Music. “Isso também está acontecendo nas escolas. O estresse
está se infiltrando em nossas escolas, dominadas por currículos pesados e
acadêmicos, constituindo uma verdadeira cultura de auditoria. Estou muito
preocupado com isso, porque diariamente testemunho seus efeitos nefastos nas
crianças que atendo em minhas clínicas”.
Music afirma que existe hoje uma necessidade desesperadora
de repensar nossas tendências materialistas. “Este mundo ocidental cada vez
mais monetarizado está nos fazendo perder o contato com nossas obrigações
sociais”, ele conclui.
Um comentário:
Orai e vigiai
ou
Vigiai e orai
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