Antonio Luceni*
Você pode até não gostar, mas dizer que os caras não são poderosos, aí
são outros quinhentos. Refiro-me ao show dos Racionais MC’s, ocorrido no último
sábado (30), na grade de shows da Virada Cultural Paulista 2015, responsável
por um dos públicos recordes de apresentações em Araçatuba. A polícia militar
divulgou algo em torno de 40 mil; já os organizadores do evento disseram passar
de 50. Araçatuba é mais pagã do que cristã, já que nem a Marcha pra Jesus (três
vezes menor) nem o show de Thales Roberto, cantor gospel, (duas vezes menos
gente) conseguiram superar o número. O público composto, em sua maioria de
adolescentes e jovens, cantou letra por letra entoada pelos muitos MC’s no
palco; dançou a cada batida produzida pelos DJ’s (4 ao mesmo tempo no palco) e
um som ensurdecedor que andou com o vento por quilômetros através da cidade.
Nem a chuva nem o frio fizeram com que os jovens ficassem em casa, incluindo os
muitos vindos da região.
Com letras desafiando o status quo
de muitas vertentes sociais, parece mesmo que as verdades postas pelos
Racionais ainda são questões muito presentes e latentes no universo social
brasileiro: fome, miséria, preconceito, injustiças sociais, lutas de classes,
drogas, embate com a política, entre outros... Sem pudores, expuseram tudo
isso, se expuseram e provocam. Sim; os socos dados no ar, o “palhaço” e suas
firulas no palco, entre “otras cositas mas” fazem do grupo algo que eu reputo
importante em qualquer artista: viver o que faz e não somente interpretar,
fazer de conta que é.
Digo isso com toda sobriedade do mundo e com o peito aberto. Sim, porque
de verdade não é um tipo de música ou grupo que me atraia, mas sei reconhecer
quando alguém faz o que faz bem feito; aí o gosto fica em segundo plano. Os
caras conseguem dialogar com um público, por vezes, ignorado no universo do mundo
adulto, dos que “regem” o País, dos que estão envoltos numa redoma intransponível
de saber, de erudição, que não dão conta de dialogar com estes... Se de fato
queremos – e é fato que precisamos – conversar com nossos adolescente e jovens,
de abrir um canal para identificar seus gostos e anseios, suas angústias e
preocupações, talvez, o caminho seja ter humildade e aprender com quem faz isso
com excelência.
Nessa altura já deve ter surgido algum tipo de pensamento preconceituoso
a despeito disso ou daquilo sobre o que o grupo é ou deixa de ser, sobre o que
nossos jovens gostam ou deixam de gostar, sobre tantas outras coisas para as
quais fechamos os olhos, endurecemos o coração e mente e continuamos batendo de
frente, alimentando nosso orgulho e nosso jeitão de ser. O fato, também, é que
esse novo século será, sim, o momento das grandes rupturas, da quebra de tabus,
da revisão de paradigmas sobre vários temas que ficaram por séculos jogados
debaixo do tapete, como se não existissem e evitando ao máximo tratar deles.
Essa galera que está aí, no entanto, não usa de hipocrisia, revira todos eles,
faz uso deles e nos desafia para o combate.
Vai encarar?
*Antonio Luceni é
jornalista e escritor.
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