AGENDA CULTURAL

18.12.24

Papai Noel existe? - Fátima Florentino


Quando eu era criança, até perto dos meus oito anos, acreditava em Papai Noel. Colocava meu sapatinho na janela antes de dormir e todo ano tinha um belo presente, às vezes, mais de um. Era uma festa!

Próximo a um natal, eu então com sete anos (quase oito), parou em frente da nossa casa, um caminhão Ford, carroceria de madeira, com três senhores. Um deles, era um oficial de justiça com uma ordem de despejo em mãos. Lembro-me que era uma manhã ensolarada e minha mãe, depois de atendê-los, entrou em desespero.

Mesmo com a ajuda dos vizinhos, ninguém conseguiu localizar meu pai, o provedor e responsável pela família. Ainda assim, aqueles homens carregaram todos os móveis da casa e despejaram na carroceria do caminhão. Quando terminaram, o motorista, compadecendo-se da situação da minha mãe, com duas crianças pequenas, nos colocou na cabine e saímos a procura de familiares que pudessem nos abrigar temporariamente.

Para a grande tristeza da minha mãe, a maioria das portas se fecharam. “Não vou ajudar vagabundo. ” Não tenho nem como guardar os móveis. ” “Aqui não cabe mais ninguém. ” “Sinto muito, mas não posso fazer nada. ”

 Era quase natal. Estava próximo o nascimento do menino Jesus e a vinda do papai Noel! Essa era a minha única preocupação: mudar de endereço sem avisar o Papai Noel.

Uma família se comoveu e abriu as portas para nos acolher. Pessoas a quem minha mãe sempre foi grata. Procurou retribuir através de suas orações e também os ajudando com seu trabalho. Era um irmão do meu pai e sua esposa. Tios muito queridos, a quem até hoje agradeço, pois, se não fossem eles, ficaríamos na rua. Aí sim, que o Papai Noel não nos encontraria.

Naquele mês, minha mãe procurou vender rifas, de casa em casa, para conseguir um brinquedo de presente para mim e meu irmão. Naquela época, quem conseguia vender uma rifa inteira, para uma empresa de brindes, ganhava de pagamento, um prêmio. Ela vendeu duas e ganhou dois prêmios.  Contudo, para mim, foi uma decepção. Além de não ser o que eu havia pedido ao bom velhinho, ele não tinha vindo sequer me visitar! O presente veio direto das mãos da minha mãe.

Eu não pude reclamar e nem pedir explicações, já que via minha mãe tão triste, com os olhos cheios de lágrimas.  Fiquei em silêncio, triste também e pensativa, tentando entender tudo que estava acontecendo.

Foi na casa dos meus tios que eu descobri que Papai Noel não existia. Aliás, existia sim, para alguns. Eu acreditava que dependia basicamente de onde a criança morava, se tinha ao menos uma casa. Portanto, conclui que, para muitas crianças, não passava de ilusão, de um sonho bobo. E era chegada a hora de crescer.

Seguimos em frente, lutando muito para conseguir ter novamente uma casa própria. Vendemos uma televisão, que aliás, era a única em todo o quarteirão da rua Aquidaban e compramos um terreno. Com a venda de móveis, eletrodomésticos e muito trabalho, conseguimos ter uma nova casa.  Para quem morava em residências espaçosas e de alta classe, de repente fomos para três cômodos mal-acabados, em uma rua sem asfalto. Não tinha sequer fechadura na única porta. Encostávamos a máquina de costura para fechar.

Definitivamente, Papai Noel era para poucos.

Depois de adulta, já com meus filhos, voltei a gostar de comemorar o Natal. Graças a Deus, sempre com fartura. Era muito bom ver a carinha das crianças esperando para abrir os presentes deixados pelo Papai Noel. Procurei transmitir para elas o sonho e a esperança, através da crença no bom velhinho, que recompensaria os que tivessem tido bom comportamento durante o ano. E eles, mesmo com todas as peraltices, não ficavam sem presentes.

Hoje, vendo minhas netas ansiosas pelo Natal, pelas festas e pelos presentes, continuo alimentando nelas esse sentimento de esperança e de alegria, que todas as crianças deveriam ter e, infelizmente, não têm.

Peço, em minhas orações, que o verdadeiro espírito desta data, o nascimento do menino Jesus, proporcione caminhos para que todos tenham dentro de si, o sonho e a esperança de receber a visita de Papai Noel. E que essa possibilidade seja para todos, sem distinção.

Rogo, para que o menino Deus transforme os nossos corações. Que Ele nos faça entender e seguir seus ensinamentos. Que possamos ser o bom velhinho, o Papai Noel na vida de outras pessoas, acreditando que este é o verdadeiro sentido do Natal. E lembrando que o verdadeiro segredo da felicidade é a caridade.

*Fátima Florentino é escritora, um livro publicado, coordenadora do Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras  


Um comentário:

Anônimo disse...

Belo texto, Fátima! Parabéns!