Rafaela Carvalho
Revista Sorria - Droga Raia - fev. março de 2015
Sempre acreditei que ter opinião
forte fosse sinônimo de ser respeitada.
Costumo lutar para ter a palavra final em qualquer discussão. Por isso, assim que recebi da Sorria a missão de tentar ser mais tolerante no dia a dia, fiquei bastante receosa. Será que passaria os dias seguintes tendo de aceitar situações chatas com um sorriso amarelo? Será que ser tolerante significa engolir sapos sem engasgar?
Costumo lutar para ter a palavra final em qualquer discussão. Por isso, assim que recebi da Sorria a missão de tentar ser mais tolerante no dia a dia, fiquei bastante receosa. Será que passaria os dias seguintes tendo de aceitar situações chatas com um sorriso amarelo? Será que ser tolerante significa engolir sapos sem engasgar?
Quando listei as tarefas que pareciam
suficientemente desconfortáveis para essa missão, uma transformação começou a
se processar na minha cabeça. Pensar no incômodo já era um exercício e tanto
para uma cabeça-dura como eu. Mas só fui descobrir isso no decorrer da minha
jornada de tarefas “intoleráveis”.
CONCORDAR EM DISCORDAR
A listinha estava pronta, mas, levando a sério o desafio,
resolvi buscar a tolerância em todos acontecimentos da minha vida cotidiana. E
a prova de fogo surgiu minutos depois de completar a lista.
Durante uma conversa fortuita com um
amigo, falamos sobre uma propaganda de conteúdo machista, que irritou
profundamente (“respire, Rafaela, respire...”). A reação dele ao anúncio, porém
me incomodou mais ainda: “Não é grande coisa. Reclamar disso é um exagero”,
disse. Meu sangue ferveu. Não consegui controlar o impulso e entrei na
discussão pronta para a guerra, considerando apenas vencê-lo ou abandoná-lo com
a ignorância.
Mas
subitamente me lembrei do conselho que havia dado a mim mesma: tenha paciência.
Aí consegui parar de enxergar meu amigo como adversário e decidi aprender com
o debate.
Conversamos por duas horas, não concordei com ele, mas tirei dali uma lição: posso não conseguir mudar o ponto de vista de uma pessoa, mas é possível ter discussões sem agressões e, na pior das hipóteses, concordar em discordar.
Conversamos por duas horas, não concordei com ele, mas tirei dali uma lição: posso não conseguir mudar o ponto de vista de uma pessoa, mas é possível ter discussões sem agressões e, na pior das hipóteses, concordar em discordar.
NA PELE DO OUTRO
Eu estava pronta para a primeira tarefa “oficial”: visitar a
sede da Policia Militar de São Paulo, uma instituição que sempre me fez sentir
mais amedrontada do que protegida.
A primeira imagem do batalhão foi
exatamente a que eu esperava, mas a segunda me surpreendeu. Fui recebida por
intimidantes fardas e continências, mas logo conheci a cadete Luciana, que se
apresentou com um sorrisão no rosto.
Devolvi a simpatia com uma lista de perguntas: por que a polícia é tão distante da sociedade? Por que tantas vezes age com violência? Como lidam com os excessos de truculência?
Devolvi a simpatia com uma lista de perguntas: por que a polícia é tão distante da sociedade? Por que tantas vezes age com violência? Como lidam com os excessos de truculência?
Como resposta, ouvi de Luciana que
essas questões não são exclusivas dos civis. Ela até me contou do dilema que
enfrentou quando participou da desocupação de um prédio habitado por um grupo
de pessoas sem teto: para fazer cumprir a lei, tinha de colocá-las na rua.
Fez seu trabalho, mas com aperto no coração. Aí ela me explicou que o objetivo principal da polícia é preservar a vida e a ordem determinada pelas leis. Saí do batalhão com mais perguntas do que respostas. Porém, conversar com a cadete me fez enxergar policiais como seres humanos, com direito a sentimentos, sonhos e conflitos pessoais.
Fez seu trabalho, mas com aperto no coração. Aí ela me explicou que o objetivo principal da polícia é preservar a vida e a ordem determinada pelas leis. Saí do batalhão com mais perguntas do que respostas. Porém, conversar com a cadete me fez enxergar policiais como seres humanos, com direito a sentimentos, sonhos e conflitos pessoais.
Para digerir minha experiência,
conversei com Zilda Del Prette, coordenadora do grupo de relações interpessoais e
habilidades sociais da Universidade Federal de São Carlos, que me fez a
pergunta de ouro: “Por que não crescer com
o diferente em vez de rejeitá-lo?”. E me explicou que a chave para
combater a intolerância é a empatia. “É importante conversar com as pessoas que
você não procuraria normalmente, para entender a perspectiva do outro”,
concluiu.
COM FÉ E SEM
JULGAMENTOS
A empatia virou meu mantra. E então partir para um templo
budista para entender o que diz o mantra dos que seguem uma religião bem
diferente da minha. Fui ao Templo Zu Lai, em Cotia, região metropolitana de São
Paulo.
Fui educada sob rígidos preceitos cristãos e nunca havia
conversado sobre crenças com pessoas que levam a sério outra religião. Conheço
teoricamente os princípios básicos do budismo e entendi um pouquinho mais
conversando com frequentadores do templo. Mas, no fundo, notei que a motivação
deles é a mesma que a minha: com a religião, buscamos, igualmente, encontrar
felicidade, esperança e bem-estar. Cada um segue o caminho que achar melhor, e
não cabe a mim opinar sobre a escolha deles ou de adeptos de qualquer fé.
“Quando você
contraria o bem-estar coletivo, impede o direito à diferença”, explica a
filósofa Olgária Matos, que me deu de presente mais uma lição. Segundo ela, não
compartilhar da crença de alguém não significa ser intolerante. Intolerância
seria, na verdade, usar meu ponto de vista para limitar a liberdade do outro.
Na saída do
templo, fui até uma pequena urna em que havia papeizinhos que davam pequenos
conselhos. O papel que peguei dizia: “Não queira julgar tudo”. Uau, será que
eles leem pensamentos?
UM MUNDO DE NOVIDADES
Depois de encarar duas questões bem grandes, resolvi testar a
tolerância em práticas mais simples, mais cotidianas. Comecei traçando o livro
de cabeceira. Fui atrás do tipo de livro que nunca li, mas sempre rejeitei: autoajuda.
Escolhi Trabalhe 4 Horas por semana (Tim
Ferriss) e emendei com Inteligência
Emocional (Daniel Goleman).
Achei um
pouco chato de ler, mas confesso que alguns conselhos me acertaram em
cheio. Um deles grudou para sempre no
meu cérebro: para vencer meus medos, preciso defini-los bem.
Entrei em uma autorreflexão sobre meus temores e passei a encará-los como combustível para descobrir coisas novas. E, se não der certo, uso outra lição dos livros de autoajuda: fracassar é parte do aprendizado.
Entrei em uma autorreflexão sobre meus temores e passei a encará-los como combustível para descobrir coisas novas. E, se não der certo, uso outra lição dos livros de autoajuda: fracassar é parte do aprendizado.
E, na maré
de adágios grandiosos, pus no balaio a epopeia que mais adoro odiar: O Senhor
dos Anéis. Pedi ajuda a um amigo, que pacientemente resumiu a saga e me
convidou para assistir ao primeiro filme junto com ele. Sem reclamar e com o
máximo de atenção, resisti até o fim e confesso: não achei ruim e estou bem
interessada em encarar a parte 2.
Ainda na
série de tarefas “não provei e não gostei”, decidi experimentar uma comida
exótica para o meu paladar. Eu me lembrei imediatamente do doce preferido do
meu pai: ambrosia . Sempre tive horror à aparência de comida pré-mastigada, mas
fechei os olhos, dei uma colherada e..Nossa, como não provei isso antes?!
Tenho agora um programa para os domingos: sair como meu pai em busca da
ambrosia perfeita.
O DESAFIO FINAL
Para terminar, claro, a tarefa mais difícil. Sou pouco
vaidosa e, com muita relutância, deixei que uma amiga me maquiasse. Foi bem
mais difícil ser tolerante comigo do que fui com os outros. Sentia que passar
maquiagem significava me assumir como fútil, “patricinha”, superficial, afinal
tinha a impressão de que era um esforço para agradar aos outros, não a mim.
Quebrar esse preconceito foi um grande aprendizado.
O apoio de
uma amiga que respeito e que ama maquiagem ajudou a mudar minha percepção.
Adorei o resultado e descobri uma nova versão de mim. No fim do dia, recebi um
elogio de um amigo. Gostei, não só do elogio, mas de perceberem que eu estava
mais autoconfiante, sentindo-me mais bonita.
No dia
seguinte, acordei com o rosto borrado e a maior lição de todas na cabeça: o
mundo é bem mais interessante quando não temos a certeza sobre tudo e topamos
aprender com a diferença.
VIVER PARA CONTAR
DEPOIS DE ENCARAR A JORNADA DA TOLERÂNCIA, NOSSA REPÓRTER DÁ
DICAS DO QUE APRENDEU
- INFORME-SE. Conheça bem o assunto antes de emitir suas opiniões.
- LIVRE-SE dos pontos de vista preconcebidos.
- NÃO SE DEIXE LEVAR pelo medo do diferente.
- Ninguém é o “O DONO DA VERDADE”. Nem você.
- Desista de dar a PALAVRA FINAL sempre.
- Admita (em voz alta!) que você pode ESTAR ERRADO.
- TODOS ERRAM. E erram de novo quando não admitem.
- Esteja SEMPRE ABERTO AO DIÁLOGO. Não tente impor suas opiniões.
- Toda história tem muitos lados. Portanto, OUÇA BASTANTE antes de tomar partido de uma posição.
- DESARMEM OFENSAS E GROSSERIAS usando argumentos objetivos.
- TOME CUIDADO para não embarcar em julgamentos alheios.
- Se tiver dúvidas, prefira acreditar na INOCÊNCIA dos acusados.
- DIFERENÇA É QUALIDADE, não defeito.
- EVITE criar intrigas e estimular BOATOS.
- Coloca-se no LUGAR DO OUTRO para entendê-lo melhor.
- NÃO SEJA CATEGÓRICO. É mais sábio ter dúvidas do que certezas.
- QUESTIONE sempre seus pontos de vista. MUDE, se precisar.
- Pare de procurar defeitos. Busque também os PONTOS POSITIVOS.
- Não fuja das CONVERSAS DESCONFORTÁVEIS. Elas nos fazem evoluir.
- Não vá sempre aos mesmos lugares. Explore NOVOS DESTINOS.
- Dê mais uma chance a LIVROS, FILMES E MÚSICAS que muitos gostam e você odiou.
- NÃO ODEI antes de provar. Isso vale para qualquer coisa.
- CONHECER não significa gostar. Coisas chatas também podem ensinar bastante.
- Está seguro de que discorda? SEJA EDUCADO mesmo assim.
- ESCOLHA BEM SUAS LUTAS em vez de viver em guerra com o mundo.
- SEJA RACIONAL na argumentação, mas entenda os sentimentos dos outros.
- Esteja sempre disposto a TENTAR MAIS UMA VEZ.
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