Rogério de Alvarenga*
A terceira idade vem agarrada na cauda das ondas violentas
da tecnologia e se arrasta como pode. Dominar é preciso.
Nós é que somos felizes porque vivemos nesses tempos
modernos – Virgílio (70 – 19 a.C.)
Entrar nessa carruagem tem um custo muito alto. Tem que
pagar em sacrifícios dia e noite. Passar na frente é a meta, mas a rabeira é
garantida, mesmo que seja no arrastão. Fazer o quê? Quando acaba de dominar uma
técnica, ela já foi superada. É descartada, ou melhor, é jogada fora,
esquecida. Há coisas mais novas. Recomeçar agora mesmo. Ainda vai dar tempo? As
luzes estão apagando, a musculatura se afrouxa, a vontade definha. Tombar no
meio da estrada? E a turba passa. O passado fica na memória. O tempo passou
pela tela. Time is gone. Take over!!!
Sócrates, na Grécia antiga, e d.Pedro I, no Brasil, viveram
em condições semelhantes, nada mudava. Séculos e séculos. A maior velocidade da
comunicação era feita com a ajuda do cavalo. Poder escravo. Não tinham água
encanada e nem os benefícios da eletricidade. E as condições sanitárias? E a
saúde? A alimentação? E o lazer? Mesmo assim, Virgílio, poeta romano da época
anterior a Cristo, estava feliz... “nós é que somos felizes porque vivemos
nestes tempos modernos.” Nada mudava.
Infelizmente não se pode repetir essa locução, porque
sabe-se da precariedade das mágicas da tecnologia que chegam a toda hora. Ela é
uma deusa maravilhosamente bela e alvissareira, mas é também uma deusa sádica,
impetuosa, ousada e impertinente. É adorada, venerada, inconsequente veloz e,
sobretudo, temida.
A humanidade vivia tranquila, até quando o alemão,
Gutemberg, (1398 – 1469) em 1439, botou uma prensa nas mãos do povo. Editou uma
Bíblia. Essas bíblias sempre foram manuscritas, copiadas pelos monges. Um monge
demorava mais de um ano, trabalhando em tempo integral, para copiar um
exemplar. Existiam nessa época por volta de 18 a 20 exemplares, rodando pelo
mundo. Com o uso frequente, vinha o desgaste e perdiam-se páginas ou se
desgatavam ou se derretiam. Agora, uma Bíblia pode ser impressa sem erros, um
curto espaço de tempo. E o povo teve conhecimento completo desse livro sagrado.
Para Bill Gates, a prensa de Gutemberg representou, para a época, uma
impressora a laser de alta definição. Logo após, o mundo mudou, ainda mais, com
a impressão das enciclopédias. O povo estava agora sabendo de tudo que era
preservado aos reis e aos deuses. Daí para frente, tudo foi mudando muito
rapidamente.
A seguir, a locomotiva ganhou em velocidade e em força do
cavalo, por volta de 1830. O telégrafo e o telefone...A eletricidade deslumbrou
a humanidade, considerada responsável pelas aplicações desenfreadas.
Transmitia-se a voz pelas ondas magnéticas, pelo ar. A aviação tornou o mundo
pequeno. A comunicação pela televisão. A informática escancarou as janelas e as
portas do conhecimento. O mistério que ronda dentro do ar, da atmosfera,
invisível e carregada de eletricidade é devassado. Nunca mais pode-se repetir
Virgílio. Ninguém poderá repetir. Mudanças atrás de mudanças. Umas
sobrepondo-se a outras. E a informática envolveu todas as atividades humanas.
Chegou de repente, sem fazer barulho e dominou o mundo com os seus tentáculos,
invadindo a vida dos seres humanos. Foi longe ou melhor, está indo longe
demais. Um fato é hoje verdadeiro, e pode não ser amanhã. Se uma pessoa
continua fazendo uma coisa qualquer como sempre fazia, estará, provavelmente,
fazendo por um processo ultrapassado. A tecnologia não tem piedade, não tem
hora nem lugar. Ela chega, ocupa seu espaço, e destrói tudo que estiver por
perto. E o ser humano fica atônito, endoidecido, atordoado. Como viver ou
sobreviver dentro dessas mudanças inesperadas que chegam em vendaval,
desaparecem e ressurgem logo em seguida com outras roupagens mais modernosas.
Uma empurrando a outra. Não fica pedra sobre pedra.
A década de 1960 é considerada um marco na história das
tecnologias avassaladoras. Dia a dia, hora a hora, há uma mudança que aparece
no ar. Pesquisadores estão em ação, criando novos paradigmas, novas soluções
para os velhos problemas, com objetividade espantosa. O impossível deixa de ser
impossível. Impossível é, para um ser humano acompanhar essas mudanças de forma
integral. Os que nasceram depois da década de sessenta estão se adaptando às
novas condições tecnológicas. E as pessoas mais idosas? Alguns seguem correndo
atrás, arrastados com energia debilitada. Outros sentam-se à beira do caminho e
a tecnologia passa em disparada. Os mais jovens, quanto mais jovens, embarcam
nas modernidades tecnológicas e sugam o quanto podem. As crianças nascem
apertando botões. Acreditam que o que estão aprendendo não é para sempre. Será
descartado logo a seguir. Os antigos odeiam mudanças, como perfil do século 21.
Aprende-se hoje, descarta-se até hoje mesmo. Como? Não pode
ser. Já mudou isso outra vez? Minha máquina está ultrapassada? Paguei uma nota
por ela. Quanto ela vale hoje? Nada? Ninguém quer comprar um aparelho ultrapassado.
Há coisas novas e melhores no mercado. E cada vez mais baratas. Santo Deus!!!
Comprar outra máquina? Reaprender tudo outra vez? Descartar tudo? E os jovens
dominadores investem tudo para acompanhar com interesse, essas tantas novidades
tecnológicas. Que há de novo? É a grande preocupação das novas gerações. Nada
do velho ou do obsoleto. Os jovens aguardam ansiosos as novidades da técnica em
suas janelas e querem se incorporar a elas o mais rápido possível.
Eis a questão para os idosos! Ou joga-se tudo fora ou
passa-se a ser uma pessoa superada tecnicamente. E os conceitos arraigados?
Corta essa, cara!... Isso é do tempo antigo. Ninguém mais acredita em
fantasmas, em assombração. E os conceitos de saúde, alimentação, lazer? Tudo
mudou. Ou melhor, está mudando. Algumas atividades profissionais desaparecem.
Outras surgem e se desenvolvem, crescem a cada dia. O celular é uma mágica que
o povo assimilou, e não sobrevive sem ela. Qualquer pessoa é localizada num
segundo, onde estiver. E as fotos? E a gravação da voz num apertar de botões.
Ninguém mais pode se esconder. Uma pessoa pode estar pescando no Araguaia e
jogando na bolsa de valores de New York. Tudo virou brincadeira.
Troisième âge – Na França planejaram uma atividade didática
para as pessoas idosas, com essa denominação. E essa denominação, TERCEIRA
IDADE, colou para designar pessoas com mais de 65 anos de idade. Depois,
surgiram eufemismos, abrandamento de termos: melhor idade, feliz idade, etc.
A terceira idade, fruto da própria ação das tecnologias,
pelo aumento da qualidade de vida, pela sobrevivência, pela longevidade, tenta
agrupar-se, ajustar-se, sobreviver dentro das mudanças que surgem a cada dia.
As pessoas idosas desejam aprender uma técnica e sobreviver com ela para
sempre.
E a população brasileira da terceira idade vem subindo no
cenário demográfico. Segundo IBGE, relatório de 2010, é de 7,4% da população.
Em 1991, era de 4,8%. Passou para 5,9% em 2000. No ano de 2010 eram, pois, 14.8
milhões de pessoas. E o perfil dessas pessoas mudou rapidamente, com o uso de
telefones celulares, computadores, notebooks, smartphones, tablets e a própria
internet.
Tais mudanças não se deram por vontade própria, mas impulsionadas
pela necessidade de aceitar a invasão tecnológica. Ou adaptar ou ficar alijado
da vida em sociedade. Claro está que não concorrem com a turma jovem ou com as
crianças que nascem apertando botões.
Entretanto, essas pessoas têm experiência acumulada,
sabedoria adquirida na vida do trabalho em vantagem imediata sobre os mais
jovens. Sentem dificuldade nos caixas eletrônicos dos bancos, mas perdem a
timidez e pedem auxílio. Sobrevivem no mundo novo, como se fossem bibliotecas
livres de histórias de experiências de vida. Mesmo assim, sofrem profundamente
no processo de adaptação, eliminando o medo da máquina.
Cumpre a essa mesma tecnologia valorizar e aproveitar as
experiências humanas que ela mesma produziu. Valorizar postos de trabalho para
idosos. Essa população não pode ser alijada do mercado de trabalho e ficar no
mundo apenas “cumprindo tabela.” A previsão é de que, em 2040, essa população
possa atingir a 15,4% da humanidade. Que fazer?
*Rogério de Alvarenga, natural de Belo Horizonte Graduado e licenciado em Letras
Clássicas pela UFMG, onde foi professor. Sócio efetivo da Arcádia de Minas
Gerais e sócio emérito do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
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