AGENDA CULTURAL

17.12.15

Crise é uma invenção


Jornal O LIBERAL, Araçatuba, 25/12/2015
Hélio Consolaro*

Há crises para todos os gostos: crise financeira, crise política, crise moral, crise existencial, crise da representação, crise do livro, crise da educação. Quando o velho não dá conta e o novo não demonstra competência, então instala-se a crise. Então, na narrativa da crise tem o antes e o depois. É a quebra da estabilidade, geralmente entra em crise quem está perdendo o jogo.

Etimologicamente “crise” vem de um verbo grego que significava distinguir, escolher, decidir, julgar. Com todos esses conhecimentos, uma amiga historiadora entrou em minha sala e disse:

-     – Crise uma ova! Crise é um discurso.

Com essa frase tão simples, passei a entender os objetivos perversos de quem trabalhava para a crise instalar-se. Aliás, se todo mundo acreditar que está em crise, ela se instala, por isso o economista e ex-ministro da Fazenda Delfim Neto diz que ela tem um caráter psicológico. Muito administrador incompetente se esconde atrás da palavra crise. E tenho amigos empresários que estão se afundando porque acreditaram na crise.


Sabe qual a diferença entre Lula e Dilma? Em 2008, quando a crise norte-americana chegava aqui, ele disse que era uma marolinha, e gritou: “Não parem de comprar”. E todos acreditaram nele e tivemos ajustes. Dilma abraçou a crise construída pela oposição. Então, lascou-se. Toda crise beneficia quem tem mais, quem está com liquidez. De tempos em tempos, a economia capitalista precisa da crise para retirar direitos dos trabalhadores e minguar os investimentos sociais.   

No governo do PT, a classe trabalhadora teve o seu crescimento no poder aquisitivo e no leque de direitos. A burguesia não suportava isso, além de não tolerar viajar com pobres no mesmo avião, estava diminuindo seu ganho, porque estava em curso a distribuição de renda. Então, inventou-se a crise.

A entrevista do filósofo italiano Giorgio Agamben publicada no Blog da editora Boitempo, que me foi passado pelo escritor Tharso Ferreira, diz uma verdade incontestável:
“Crise e economia atualmente não são usadas como conceitos, mas como palavras de ordem, que servem para impor e para fazer com que se aceitem medidas e restrições que as pessoas não têm motivo algum para aceitar. Crise hoje em dia significa simplesmente ‘você deve obedecer!’. Creio que seja evidente para todos que a chamada crise já dura decênios [refere-se à Europa] e nada mais é senão o modo normal como funciona o capitalismo em nosso tempo. E se trata de um funcionamento que nada tem de racional.”

Então, caro leitor, o município de Araçatuba estava em crise, só não atrasou o pagamento dos funcionários, mas o prefeito Cido Sério (PT) fechou o nariz e mandou um projeto de lei para a Câmara Municipal de Araçatuba para resolver o problema dos inadimplentes e sonegadores, perdoando-lhes multas e honorários advocatícios. Muita gente achou o dinheiro, acertou os impostos municipais e os cofres da Prefeitura saíram da crise. Se houvesse uma crise verdadeira, o dinheiro não ia aparecer. Tire a crise de sua cabeça!


*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP

Um comentário:

Aidil disse...

Bom texto. A partir do que li, faço uma reflexão e vejo que isso é mais um golpe arquitetado pela classe burguesa. Percebia sua insatisfação em ter os pobres coitados ao seu lado em aviões, em cursos só destinados a classe dominante.