AGENDA CULTURAL

20.12.15

O Whatsapp caiu e a culpa é do Facebook.

A responsabilidade originária deste dano é da postura arrogante e unilateral desta empresa que dissimuladamente alega operar pelo bem comum


Pedro Ekman*

O Brasil amanheceu nesta quinta-feira sem trocas de mensagens pelo Whatsapp e a culpa é do Facebook. Para quem está chegando agora, vale avisar que o Grupo Facebook de Mark Zuckerberg é também dono dos aplicativos Whatsapp e Instagram. A justiça determinou a suspensão por 48 horas do Whatsapp no Brasil por descumprimento de ordem judicial que determinava o acesso a dados do aplicativo de pessoas que estavam sendo investigadas.

Zuckerberg se disse “chocado que os esforços em proteger dados pessoais poderiam resultar na punição de todos os usuários brasileiros”. Balela, Zuckerberg não está preocupado com a privacidade dos brasileiros, ele manipula e vende todas as informações que coleta de absolutamente toda a população ao redor do mundo, mesmo aquelas privadas que não era para ninguém mais saber a não ser você e o destinatário da sua mensagem. Mandar conteúdo íntimo ou particular por foto, texto ou som via Whatsapp, Instagram ou Facebook é o mesmo que tirar a roupa em um Shopping Center pensando que está entre as quatro paredes do quarto. Isso não é nem de longe estar preocupado com a privacidade da população.

A decisão judicial de suspensão também não é razoável. Retirar do ar o serviço de comunicação de toda a população como punição a um fato restrito a poucos usuários tampouco parece respeitar o princípio de proporcionalidade garantido na Constituição Federal brasileira. Seria o mesmo que mandar fechar todas as agências dos Correios por causa de um punhado de cartas. Ou retirar o serviço de telefonia do ar se a operadora se negar a instalar uma escuta definida por ordem judicial.

Mesmo a medida desproporcional da justiça brasileira, pelo menos em parte, também é culpa do Facebook. A conduta arrogante da empresa americana em se recusar a cumprir ordem judicial no Brasil praticamente leva o litígio a uma estratégia que possibilite algum efeito concreto. Antes de determinar a suspensão do serviço, a justiça já tinha determinado multa diária de 100 mil reais que chegou a somar 12 milhões de reais. A postura do Facebook foi a mesma: “Não devemos satisfação a vocês, nos submetemos apenas às leis dos Estados Unidos”.

Muitos vieram a público bradar que o Whatsapp só teria saído do ar por que no Brasil aprovamos o Marco Civil da Internet que permite à justiça fazer esse tipo de coisa. Não é verdade, mesmo antes da aprovação desta lei, um juiz já chegou a determinar a retirada de todo o YouTube do ar a pedido da Daniela Cicarelli que queria a retirada de um único vídeo privado. É o mesmo caso de se tentar eliminar o mensageiro por causa da mensagem. Um erro grosseiro que não acontecia no mundo analógico, mas que pode se tornar uma prática no ambiente digital por puro desconhecimento do tema pelo sistema judiciário ou por simples abuso de poder.

Responsabilizar a ferramenta pelo mal uso que se faz dela é algo torpe. Alguns podem dizer que a criptografia é uma ferramenta utilizada por quem quer se esconder para cometer crimes. Pode até ser, mas é essa mesma criptografia que protege o voto eletrônico, a sua conta no banco e as denúncias de corrupção do seu político preterido. Não se proíbe o uso de facas, elas podem ser usadas para machucar alguém e para passar manteiga no pão.

Além de devassar a privacidade de todos os cidadãos, o Facebook também comete outras ilegalidades diariamente. Os planos de celular com uso “gratuito” do Whatsapp e Facebook são uma afronta direta à lei brasileira que proíbe a discriminação de conteúdos na rede. O delito cometido pelo Facebook e operadoras de telefonia estabelece um pedágio seletivo na internet. Da mesma forma, não temos que suspender a atividade das plataformas, mas sim suspender os planos de venda discriminatórios.
 
Mais de um milhão e meio de usuários brasileiros descobriram o Telegram nas 12 horas em que vigorou a suspensão do Whatsapp. O Telegram tem garantias mais consistentes à privacidade do usuário, como serviço de mensagem criptografada com autodestruição automática e de ser mais divertido disponibilizando figurinhas (stickers) que podem ser produzidas pelos próprios usuários.  E como ele outros aplicativos de fato preocupados com a privacidade do usuário estão à disposição do público há muito tempo, tais como o Actor https://actor.im ou o Signal https://whispersystems.org/ recomendado por Edward Snowden.

- E se esses aplicativos são melhores por que nunca usamos?
- Por que ninguém tem.
- E por que ninguém tem?
- Por que o zapzap não desconta da franquia.

E assim seguimos em um ciclo vicioso que sufoca a competitividade comercial na rede aniquilando a inovação. Por isso é tão importante que se mantenha a rede neutra, sem discriminação econômica ou de qualquer natureza de um aplicativo sobre outros.

A medida adotada pela justiça foi desproporcional e não beneficia a sociedade penalizada pela conduta comercial da empresa. A responsabilidade originária deste dano é da postura arrogante e unilateral desta empresa que dissimuladamente alega operar pelo bem comum ao defender seus interesses privados. O debate que se abriu na sociedade e a descoberta de novos aplicativos e maneiras de consumo mais seguras e conscientes é o grande saldo positivo que tivemos nesse episódio e o custo disto para o grupo que quer tornar a internet um domínio privado pode ter saído mais caro do que os 12 milhões inicialmente cobrados de Zuckerberg.
 
*Pedro Ekman é do Conselho do Intervozes



Créditos da foto: reprodução

Nenhum comentário: