AGENDA CULTURAL

22.12.15

Vereadores 100%

Tharso José Ferreira*

Ser vereador em uma cidade com instintos de província merece sérias reflexões e às vezes eu me interrogo sobre as serventias das leis que os servem. É de arrepiar.

Nossos vereadores se reuniram para aumentarem os próprios salários em mais de 100% a coisa toda foi feita em caráter extraordinário. O bando todo, em atitude suspeita, se reuniu com o chefe na casa mesmo, não se abriu os ferrolhos da noite, tudo nos conformes, tudo como manda a lei.

Como a moral por aqui já se findou não se discute se o ato é indigno ou não. Tudo ocorre como uma serena camaradagem entre amigos: preparar-se para uma situação de futuro. Aí todos são amigos e a amizade, como se sabe, se impõe. Para os amigos tudo, para os inimigos a lei.

Nós aqui embaixo, que servimos os de mãos cheias que nada produzem, temerosos da lei, olhamos tudo com resignação para que não nos aborreçamos ainda mais com a vida e com as leis que não nos alisam e pune quem não é amigo do rei. Ainda mais se nos metermos com os representantes do governo de nossa pequena província e nossa vereança de cabeças pequenas, mesmo o caso sendo eloquente e pernicioso.

Entre as coisas que dizem nossos amados vereadores é de que estão amparados na Constituição que diz, entre outras barbaridades legais, que um vereador deve ganhar a metade de um deputado estadual. Bom, se é lei vai os 100%.

Não estou dizendo aqui que nossos amados vereadores devem ter a complacência de um monge budista, mas ao menos que sejam uns sem-vergonhas elegantes, não tão vulgares assim. Pois legislam em causa própria sem constrangimento algum debaixo do fogo diurno.

Sei que os pruridos de decência de uma câmara de vereadores não são refinados, pois aprenderam de compostura por aqui mesmo, se esbarrando uns nos outros, portanto não é de se esperar muito deste clube de 12 membros, de profissão tão curiosa, ensimesmados, que dão salários ostentosos a si mesmos e que fazem seus próprios caminhos que não se juntam aos nossos. Aves de rapina produzem indecência e desordem quando legislam desapartados da multidão. São cruéis com o povo que lhe emanaram poder pelo voto. Às vezes, eu ando por lá nesses corredores sombrios onde se decide a sorte de milhares de cidadãos, fazendo meu caminho de vagabundo pensante num palacete com suas paredes cheias de quadros de lendas e mitos que já nos conduziram um dia, me fitam friamente da tela com seus olhos de óleo. Corredores enormes e infecundos de esplendores instantâneos e seus governantes de errantes corações.

   Estes homens não se incomodam em insultar o povo, em viver do suor alheio, em se perpetuarem no poder. Estão acostumadíssimos aos arranjos que o cargo impõe. Não se preocupam com as portas fechadas antes das eleições. O novo quando chega é amarrado com o velho, e o velho ajusta seu destino como príncipes do povo e todos que estão por lá estão sedentos pelo poder que inebria.

Amarrados no velho se sentem sarça ardente na câmara fria do poder. Eu um escritorzinho de meia tigela, desacreditado das massas, me interponho entre a razão e o poder e uso das palavras que açoitam para avivar as almas desses insensatos para que se libertem da própria idolatria, mas a palavra só toca naquele que a entende.
Digo a estes vereadores que acordem, que busquem em sua passagem a chama da integridade e legislem o que o povo necessita e que não triturem a ternura do povo com suas impertinências manjadas. 

O povo guarda o nome de cada um nas memórias da história. O povo que vota grita aumento de trabalho e decência 100%. Tenho dito.


*Tharso José Ferreira é escritor e membro da Academia de Letras, colaborador neste blog, responsável pelas opiniões emitidas. Seu e-mail: tharso74@hotmail.com

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