Tharso José Ferreira*
Ser vereador em uma cidade com instintos de província merece
sérias reflexões e às vezes eu me interrogo sobre as serventias das leis que os
servem. É de arrepiar.
Nossos vereadores se reuniram para aumentarem os próprios
salários em mais de 100% a coisa toda foi feita em caráter extraordinário. O
bando todo, em atitude suspeita, se reuniu com o chefe na casa mesmo, não se
abriu os ferrolhos da noite, tudo nos conformes, tudo como manda a lei.
Como a moral por aqui já se findou não se discute se o ato é
indigno ou não. Tudo ocorre como uma serena camaradagem entre amigos:
preparar-se para uma situação de futuro. Aí todos são amigos e a amizade, como
se sabe, se impõe. Para os amigos tudo, para os inimigos a lei.
Nós aqui embaixo, que servimos os de mãos cheias que nada
produzem, temerosos da lei, olhamos tudo com resignação para que não nos
aborreçamos ainda mais com a vida e com as leis que não nos alisam e pune quem
não é amigo do rei. Ainda mais se nos metermos com os representantes do governo
de nossa pequena província e nossa vereança de cabeças pequenas, mesmo o caso
sendo eloquente e pernicioso.
Entre as coisas que dizem nossos amados vereadores é de que
estão amparados na Constituição que diz, entre outras barbaridades legais, que
um vereador deve ganhar a metade de um deputado estadual. Bom, se é lei vai os
100%.
Não estou dizendo aqui que nossos amados vereadores devem
ter a complacência de um monge budista, mas ao menos que sejam uns
sem-vergonhas elegantes, não tão vulgares assim. Pois legislam em causa própria
sem constrangimento algum debaixo do fogo diurno.
Sei que os pruridos de decência de uma câmara de vereadores
não são refinados, pois aprenderam de compostura por aqui mesmo, se esbarrando
uns nos outros, portanto não é de se esperar muito deste clube de 12 membros,
de profissão tão curiosa, ensimesmados, que dão salários ostentosos a si mesmos
e que fazem seus próprios caminhos que não se juntam aos nossos. Aves de rapina
produzem indecência e desordem quando legislam desapartados da multidão. São
cruéis com o povo que lhe emanaram poder pelo voto. Às vezes, eu ando por lá
nesses corredores sombrios onde se decide a sorte de milhares de cidadãos,
fazendo meu caminho de vagabundo pensante num palacete com suas paredes cheias
de quadros de lendas e mitos que já nos conduziram um dia, me fitam friamente
da tela com seus olhos de óleo. Corredores enormes e infecundos de esplendores
instantâneos e seus governantes de errantes corações.
Estes homens não se
incomodam em insultar o povo, em viver do suor alheio, em se perpetuarem no
poder. Estão acostumadíssimos aos arranjos que o cargo impõe. Não se preocupam com
as portas fechadas antes das eleições. O novo quando chega é amarrado com o
velho, e o velho ajusta seu destino como príncipes do povo e todos que estão
por lá estão sedentos pelo poder que inebria.
Amarrados no velho se sentem sarça ardente na câmara fria do
poder. Eu um escritorzinho de meia tigela, desacreditado das massas, me
interponho entre a razão e o poder e uso das palavras que açoitam para avivar
as almas desses insensatos para que se libertem da própria idolatria, mas a
palavra só toca naquele que a entende.
Digo a estes vereadores que acordem, que busquem em sua
passagem a chama da integridade e legislem o que o povo necessita e que não
triturem a ternura do povo com suas impertinências manjadas.
O povo guarda o
nome de cada um nas memórias da história. O povo que vota grita aumento de
trabalho e decência 100%. Tenho dito.
*Tharso José Ferreira é escritor e membro da Academia de Letras, colaborador neste blog, responsável pelas opiniões emitidas. Seu e-mail: tharso74@hotmail.com
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