AGENDA CULTURAL

21.4.16

Araçatuba por um araçatubense ilustre

No Circuito Sesc das Artes, 10 de abril de 2016, realizado na praça Getúlio Vargas, na programação digital, página de Araçatuba, a direção do Sesc destacou ex-ministro da Educação e professor da USP, o araçatubense Renato Janine.
Abaixo, reproduzo como constou sua relação com Araçatuba.

Araçatuba por Renato Janine Ribeiro

Araçatuba por Renato Janine Ribeiro
Nasci em Araçatuba. Meus pais já moravam na capital do Estado, mas para ter o primogênito minha mãe quis a segurança de estar perto de meus avós. Fui o primeiro filho, mas também o primeiro neto. Voltei várias vezes à cidade natal, mas as lembranças fortes são as mais antigas, como a do asfalto derretendo perto da sarjeta. Era um perigo usar sandálias havaianas, ficavam grudadas e o pé, sujo de algo que parecia alcatrão. Quando voltei mais tarde a Araçatuba, a praça Getúlio Vargas – um dos raríssimos logradouros públicos no Estado de São Paulo a ter o seu nome –, que eu achava enorme, parecia ter diminuído de tamanho. Nenhum lugar me deu tanto esta sensação gulliveriana, do mundo diminuindo enquanto crescemos.
Foi a primeira cidade que vi povoada de bicicletas. Já nos anos 50 elas eram muitas. Foi também lá que entrei pela primeira vez num templo oriental, certamente japonês. Vi um objeto estranho sobre uma mesa e toquei – era um sino, um sino asiático sem badalo, fiquei assustado com o som inesperado e alto: fugi, envergonhado.
Das vezes mais recentes que lá estive – ou que fui a São Pedro, terra de meu pai – tive dificuldade de identificar os lugares de minha memória. A casa original de meu avô, na Cussy de Almeida, se foi há muitos anos. Uma de minhas lembranças mais antigas é chegar lá, com uma tia, e alguém nos dizer: Getúlio se matou! Não entendi. Outras construções, altas, poderosas, se tornaram as novas protagonistas de Araçatuba. O mesmo aconteceu Brasil afora: fora as cidades históricas, as outras trocam seu rosto, suas ruas. Somos um país jovem, que multiplicou a população por quatro em meio século. A população urbana aumentou ainda mais, dado o intenso êxodo rural. Quando você mora no mesmo lugar, as mudanças entram aos poucos, como num filme lento. Mas, quando você vai e vem, o lugar querido é como se fosse povoado de sucessivos e demorados slides: as diferenças se tornam gritantes. O mundo que foi meu em Araçatuba se apequenou, surgiu um novo.
Toda evocação de um lugar da infância é meio proustiana. Imita aquele jovem adulto que esqueceu tudo de seus primeiros anos, até que o inesperado sabor de um bolinho, uma madeleine, os ressuscita. Revisitar o lugar de origem é assim: surpresas a cada canto. Inclusive pelas ausências: sumiu o chafariz de águas coloridas, que muito tempo atrás era orgulho das cidades do interior e depois virou a suma do kitsch. As coisas passam. Este enterro que o tempo faz é o outro nome do progresso.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e Filosofia Política na USP e foi Ministro da Educação.
Araçatuba MEMÓRIAS PAULISTAS

Um comentário:

Anônimo disse...

Que narrativa!!!! Serviu para exorcizar um remorso que há muito me dominava, quando afirma que o tempo apequena as coisas. Certa feita, ao meu lugarejo lá no interior de Minas, de onde me ausentara por alguns anos, quando lá cheguei me veio uma grande decepção: o velho e querido prédio do Grupo Escolar era uma coisa de nada. Assim como a igreja, enfim, tudo era pequeno demais, até o rio de águas volumosas, palco de nossas pescarias de lambari e mandi. O pior de tudo é que um dia desabafei com um amigo de infância, quando me perguntou se meu retorno era definitivo, ao que lhe respondi que a cidade havia se encolhido, não era mais lugar para mim. Ficou aborrecido comigo, e não tive como reparar o meu mal feito. Mas, eu, o Bié, ainda tenho comigo que aquele meu lugarejo é o "Céu".