AGENDA CULTURAL

14.12.16

Dom Evaristo me devolveu a igreja

Hélio Consolaro*

Rezei muitos terços, percorri várias vias-sacras na minha infância e adolescência. Tenho guardada ainda minha coleção de santinhos, que nada tem a ver com campanha eleitoral, mas eram as imagens impressas dos santos da igreja distribuídas pelos padres, principalmente às crianças antes do papa João 23.

Os santinhos não têm nada a ver com política, mas tem sim, porque dos santos distribuídos pelos padres nas igrejas surgiu o sentido “santinhos”, propaganda política impressa. Em campanha eleitoral, todos os candidatos viram santos.

As espinhas na minha cara fizeram com que eu me declarasse fugazmente ateu, porque os padres da época só me perguntavam no confessionário sobre sexo. Caramba! Deus me dá esse corpo e a sua igreja quer castrá-lo?

Depois do Vaticano II, eu encontrei uma igreja mais compreensiva, admitindo a minha humanidade, aprendi muito. Voltei a me ajoelhar. Era o Deus amor.

O Deus amor se encontrou com Deus Justiça, então Dom Evaristo  Arns devolveu-me a igreja em forma de Comunidades Eclesiais de Base, me animei, cantei, rezei, celebrei. Ninguém era pobre por vontade divina.

No falecimento de Dom Paulo Evaristo Arns, quero registrar o meu agradecimento de um católico meio revoltado, que encontrou novamente o seu povo, se identificou com sua igreja. Na igreja, dava para ser eu, sem renunciar à minha individualidade. Eu e a igreja não éramos coisas incompatíveis. A manjedoura estava novamente no centro.

Aí chegaram João Paulo 2o. com suas beatices, Bento 16, com sua teologia burocratizada, não renunciei, mas me escondi, mas quando surgiu o papa Francisco, o sorriso novamente estampou no meu rosto.

Dom Paulo Evaristo Arns, 95 anos, bem vividos, falecido ontem. Ele me devolveu a igreja, mostrou que a minha verdade podia se cruzar com a verdade da igreja. Não precisei me sentir um herege, embora diferente, era membro do mesmo rebanho.

Se eu morasse em São Paulo, eu ia ficar ao lado de seu corpo, na Santa Sé o tempo todo do velório, orando, agradecendo o bem que ele me fez. Não vi o rosto de Deus, mas conheci a sua infinita bondade.

--> *Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras

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