AGENDA CULTURAL

15.12.16

Ser vereador devia ser um trabalho voluntário

Ser vereador é um trabalho voluntário, que pode ser perfeitamente realizado nas horas vagas” – Christina Elffors-Sjödin, vereadora de Estocolmo, Suécia
Entrevista publicada no site da jornalista brasileira Cláudia Wallin, autora do livro "Um país sem excelências e mordomias", Editora Geração 
”Moro no subúrbio, tomo o trem até a Estação Central de Estocolmo e de lá caminho cerca de dez minutos até a sede da Câmara” – Christina Elffors-Sjödin
O impactante interior da Câmara Municipal de Estocolmo é uma curiosa explosão de contrastes. Três gigantescos candelabros dourados dominam o aristocrático salão do plenário, coberto por tapetes vermehos e emoldurado por cortinas no mesmo tom. As galerias em madeira maciça e o pódio da presidência da Câmara, coroado por um cortinado em tecido vermelho drapeado, completam o ar palaciano do ambiente. Mas quando se olha para cima, na altura quase vertiginosa do salão, o simbolismo da era viking rouba a cena.
O teto da Câmara representa um navio viking virado para baixo. Diz-se que, para evitar ataques inconvenientes ao atracar em terras desconhecidas, os antepassados dos suecos costumavam se reunir sob o teto de seus barcos virados, a fim de planejar em paz suas pilhagens. As intenções eram pouco nobres. Mas os vikings também entraram para a história como um povo que tomava suas decisões em conjunto, para o bem ou para o mal.
Através do casco do navio viking retratado na Câmara, vê-se a pintura de um céu azul: um símbolo para lembrar que todas as decisões tomadas na Casa são transparentes e devem ”voar” em direção ao povo. Para simplificar a idéia delirante, todas as sessões da Câmara são abertas ao público.
Por uma porta situada no salão do plenário, a vereadora Christina Elffors-Sjödin me conduz à sala de reuniões da Câmara. Pede desculpas por não ter sala própria nem café para oferecer, e conta como é trabalhar ao mesmo tempo como diretora de uma creche e vereadora do Partido Moderado.
O que a senhora acha do fato de trabalhar como vereadora desde 2006 sem receber salário?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: Acho bom, porque penso que não devemos ter vereadores pagos.
Por que não?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: Porque estamos aqui exercendo a nossa cidadania, em uma atividade que não exige dedicação em tempo integral, e portanto não devemos ser pagos por isso.  Se pagássemos salários a vereadores, muitos estariam aqui não por causa de um comprometimento para mudar as coisas para melhor, e sim para ganhar dinheiro e fazer carreira. Seria, então, um trabalho. E não acho que ser vereador é um trabalho.
O que é ser vereador?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: É um trabalho voluntário, que pode ser perfeitamente realizado nas horas vagas. Para isso, temos uma pequena gratificação, que na verdade tem um valor extremamente baixo, mas é suficiente. Para receber salário, trabalho como diretora de uma creche em tempo integral.
Por que um vereador não deve trabalhar em tempo integral e receber salário, como os deputados do Parlamento sueco?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: Porque eles (os deputados do Parlamento sueco) trabalham muito mais do que eu. Eles representam todo o país. Eu represento apenas Estocolmo, e não há uma carga de trabalho que justifique o trabalho remunerado em tempo integral.
. A senhora não tem gabinete nem assistentes, e trabalha de casa.  Conta com algum tipo de assistência para sua função como vereadora?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: O apoio que tenho vem de dois funcionários do meu partido, que têm como função auxiliar todos os 38 vereadores da sigla.
Que tipo de apoio dão esses dois funcionários?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: Principalmente em termos de relações com a mídia e assessoria de imprensa. Se eu precisar de alguma informação específica, ou de uma consulta ao prefeito a respeito de alguma questão importante, estes dois funcionários também fornecem assistência e material de background.
A senhora não recebe nenhum tipo de auxílio-transporte. Como paga por seus deslocamentos na cidade como vereadora?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: Bem, é também para esse tipo de gasto que ganhamos a pequena gratificação mensal da Prefeitura, de 1.533 coroas suecas (cerca de 235 dólares).  Mas como preciso trabalhar na creche todos os dias, uso na verdade o cartão que dá direito a utilizar os transportes públicos, que compro com meu próprio salário.
Que tipo de transporte a senhora usa para vir à Câmara Municipal?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: Trem. Moro no subúrbio, tomo o trem até a Estação Central de Estocolmo e de lá caminho cerca de dez minutos até a Stadshuset (sede da Prefeitura e da Câmara). Todos os vereadores têm também direito a pegar um táxi quando as sessões na Câmara acabam depois das 10 da noite. Mas se a sessão acaba dez minutos antes das dez da noite, não podemos tomar táxi.
Como também não tem direito a celular, a senhora também precisa pagar do próprio bolso para fazer ligações relacionadas ao trabalho como vereadora?
Christina Elffors-Sjödin
vereadora de Estocolomo
Suécia

CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: Uso o meu próprio telefone celular. Todos na Suécia têm um celular. E não custa tanto assim fazer ligações extras do próprio telefone.
Quanto tempo por semana a senhora dedica às atividades como vereadora?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: São em média cinco horas por semana. A leitura de documentos e propostas é a tarefa que mais consome tempo. Também dedico tempo para responder aos muitos emails que recebo de eleitores, com perguntas e solicitações sobre questões diversas.
Pode descrever como é o seu trabalho como vereadora, e que tipo de tarefas executa?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: As sessões na Câmara são realizadas a cada três semanas, entre quatro da tarde e dez da noite. Escrevo meus próprios discursos, faço visitas a associações, encontro eleitores e leio uma quantidade considerável de documentos e propostas. Como meu partido detém a maioria na Casa, apenas os vereadores da Oposição apresentam moções. As propostas do meu partido, que são apresentadas durante a campanha eleitoral após deliberações com diferentes segmentos da sociedade, são elaboradas diretamente pelo gabinete do prefeito. Por exemplo, durante a campanha apresentamos uma proposta para construir mil casas em Estocolmo por ano. Quando somos eleitos, o prefeito e os vice-prefeitos dialogam com setores da comunidade para determinar onde as habitações devem ser construídas. Os vereadores votam, então, aspectos específicos em torno desta e de outras questões.
Não há então a necessidade de trabalhar como vereadora de Estocolmo em tempo integral?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: Absolutamente não. Cinco horas por semana são suficientes.
A senhora tem uma família, trabalha em tempo integral como diretora de uma creche e desempenha a função de vereadora. Como consegue equilibrar tudo isto?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: Tenho um marido muito compreensivo, que não está envolvido em política (risos). Era mais complicado quando a minha filha era pequena, e eu desempenhava a função de conselheira distrital, que tomava entre 25 e 30 por cento do meu tempo. Mas atualmente minha filha já é crescida, e o trabalho de vereador não é tão absorvente como o de conselheira distrital.
.Tem algum tipo de ajuda com as tarefas domésticas?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: Sim, uma faxineira. Uma vez por mês.
O que a levou a entrar na política?
CHRISTINA ELFFÖRS-SJÖDIN: Eu queria ter uma escola do método Montessori para minha filha, mas na época não havia nenhuma. Então decidi fundar eu mesma a escola, através de uma cooperativa de pais. Para conseguir subsídios do governo para criar a escola, entrei em contato com diversos vereadores. A partir daí, foi uma bola de neve.
Ao encerrarmos a conversa, saímos do edifício da Câmara Municipal e caminhamos juntas pela movimentada Vasagatan, em meio ao insistente frio de março. Na altura da Estação Central de Estocolmo, Christina se despede. Vai pegar o trem para o subúrbio onde vive.
Ao contrário da experiência de Christina, combinar trabalho, família e afazeres domésticos com a atividade política a nível municipal é, porém, um desafio para parte dos vereadores. Em fevereiro de 2013, reportagem da Sveriges Radio (Rádio Sueca) mostrou que mulheres e jovens eram os mais propensos a deixar a política a nível local. Uma das entrevistadas na reportagem era a enfermeira Louise Wiberg, que tinha 27 anos de idade, um filho no colo e outro ainda na barriga quando se tornou vereadora da localidade de Vara (sudoeste da Suécia) pelo Partido do Centro.
”Eu trabalhava durante o dia num asilo de idosos, e participava de reuniões políticas nas noites de segunda-feira e também às terças-feiras. Para mim é importante participar da vida política e das decisões que determinam como deve ser a sociedade em que vivo. Mas chegou um ponto em que não foi mais possível harmonizar emprego, casa e filhos com a política”, contou Louise à rádio sueca.

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