AGENDA CULTURAL

5.7.17

Os ipês voltaram das férias

Foto de Ângelo Cardoso
Hélio Consolaro*


Araçatuba começou a florir, está roxa, é inverno, são férias escolares, os ipês soltam seus cachos. É momento de aconchego debaixo das cobertas, de as avós receberem seus netos.

Essas árvores, símbolo do Brasil, se parecem com aquelas mocinhas magricelas que de repente se tornam torneadas, com suas curvas sensuais, com suas flores lindas. Ambas enfeitam a cidade.

Não importa que os ipês não sejam como os oitis que dão sombras o ano inteiro ao caminhante, mas não florescem. Aliás, os ipês só dão proteção depois de derrubados, com sua madeira resistente.

Na flora, eles deixam os araçatubenses alegres, românticos, orgulhosos de sua cidade. Enquanto ficam descansando, sem folhas e flores, vivemos de suas fotografias.    

Nesta época, a cidade fica primeiro roxa, depois rosa, em seguida amarela e, por último, branca. Se você caro leitor, ainda não tirou os olhos dos boletos bancários, nem reparou o colorido de nossas ruas, ainda há tempo de fazê-lo, até novembro.

Viaje pela vida, não tenha pressa de chegar, a nossa passagem por este planeta é breve, porque de repente você não saberá contar a seus futuros amigos da outra dimensão como era a sua cidade.

Abençoadas mãos que plantaram os ipês de nossa cidade, desde quem planejou o plantio até quem fez a cova, enfiou a muda e deu a primeira aguada.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras 

Sugestões de leitores:
https://www.youtube.com/watch?v=at_iUmypGL0

https://www.youtube.com/watch?v=VeAWPCViUG4

O IPÊ E A VELHA SENHORA*
Gabriel Araújo dos Santos**

Desculpem-me se retorno ao assunto. Não é que me angustio. Também não é saudosismo. É a ânsia de me comunicar, mostrar um pouco do cotidiano.
A noite é dorminhoca e pede silêncio. E aqui é assim. Aqui na nossa rua. Silêncio que os fiéis amigos do homem não respeitam. É seu dever de ofício. E na calada da noite, o caminhão dos lixeiros, vozes gritantes como a esquentar a garganta para exorcizar o frio. 

Toda manhã, coisa de nove horas, vejo que ela vem vindo lá. Magra, miúda, olhos azuis penetrantes, também miúdos, conseqüência da passagem do tempo. Sempre puxando um carrinho de feira. Não dos grandes, mais parece de boneca. Vem subindo a rua, sempre o mesmo trajeto, e em determinado ponto muda de calçada. Anda um pouco e faz parada sob o frondoso e florido ipê amarelo. O olhar parece percorrer todos os ramos, admirando a exuberância das flores. Retoma a caminhada, dobra a esquina, nova parada, vai ao carrinho e parece dialogar com alguém ou alguma coisa. No retorno, minha curiosidade visualiza quando muito três bananas, dois maracujás e se tanto três maçãs. Só isso. Dia seguinte, o mesmo trajeto, o mesmo rito sob o frondoso ipê amarelo. Dias depois, muda o trajeto, e não liga para o pé de ipê. 

Mas na virada da esquina bole no carrinho, o mesmo rito da conversa, como se fosse com alguém. Invisível ou imaginário. Vem ela de volta, o carrinho quase vazio, agora um papaia, duas cebolas e uma beterraba. Arrisco uma prosa, elogio-lhe as feições. “Nada, sou um galho velho que não floresce mais”, responde, sorrindo. Não vê os ipês? Retruco. Mesmo na velhice, florescem que é um encanto! Não espicha a prosa. Mas sem querer, pensa alto, e eu escuto: “Fifi, não faça caretas, é falta de respeito e de educação!”

Prossegue ladeira abaixo, e embalada no que imagino saudosas lembranças vai empurrando seu carrinho de bonecas, passando ao largo do vetusto pé de ipê, agora desnudo de sua sazonal formosura...

*Velha senhora: refere-se a Araçatuba. Expressão criada pelo cronista Jorge Napoleão Xavier

**Gabriel Araújo dos Santos é escritor, mora em Campinas atualmente. Morou em Araçatuba por quase 20 anos. 

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