AGENDA CULTURAL

13.1.11

Belas Artes: um patrimônio que São Paulo não pode deixar fechar


Nabil Bonduki 


Cine Belas Artes, cidade de São Paulo

Quase dez mil paulistanos já assinaram um abaixo-assinado se posicionando
contra este crime. Fazem isto porque se sentem ligados ao local que, após
meio século de vida, se tornou uma referência cultural e urbana para a cidade. 
A questão não é preservar a arquitetura do edifício, mas o uso do lugar, sua importância como ponto de encontro e espaço de debate cultural. A noção contemporânea de patrimônio é clara: a comunidade, além dos especialistas, 
tem um papel fundamental na identificação dos bens culturais a serem 
protegidos.
A noção de patrimônio se ampliou muito desde que o Estado Novo, através 
do Decreto-Lei 25/1937 criou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico 
Nacional e intituiu o tombamento. Embora Mário de Andrade tivesse proposto 
uma abrangência maior, na época, prevaleceu uma visão restrita, voltada para 
os bens com valor arquitetônico e artístico, chamada de “patrimônio de pedra
e cal”.
Os critérios utilizados para a seleção dos bens a serem protegidos eram os de 
caráter estético-estilísticos, excepcionalidade e autenticidade, valorizando a 
arquitetura tradicional luso-brasileira, geralmente edifícios isolados, produzida 
no período colonial. O foco era a criação de uma identidade nacional, base 
cultural para a criação e fortalecimento de um Estado nacional.
Na década de 1970, esta noção de patrimônio se alargou enormemente, 
acompanhando as tendências internacionais. Nesta nova perspectiva, ligada 
à concepção de “Cidade Documento”, passou a abranger também sítios 
urbanos e manifestações de outros períodos e origens culturais, assim como 
se valorizou os espaços onde ocorre a vida social e os hábitos cotidianos da 
população. Em certas situações, os locais de vivência e de práticas sociais, 
que têm valor pelo seu uso, podem ser até mais relevantes do que os 
monumentos isolados de valor arquitetônico.
Além de valorizar o contexto urbano e edifícios utilizados pela população, 
entendidos como uma construção histórica, esta nova visão reserva à 
comunidade um papel ativo na identificação do patrimônio, que deixa de 
ser uma atribuição restrita aos profissionais envolvidos com a preservação.
É por isto que o atual Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE) e sua
 Lei de Zoneamento, que incorporaram como conceito e método participativo
esta nova visão de patrimônio, incluiu nas áreas a serem preservadas como
 Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEPEC), locais indicados pela 
população como de interesse urbano e, por não dizer, afetivo.
Por esta razão, o tombamento do Cine Belas Artes está amplamente
respaldado no Plano Diretor Estratégico de São Paulo, projeto que tive a 
oportunidade de relatar e redigir o substitutivo na Câmara Municipal 
(Lei 13540/2002). No capítulo que trata da Política de Patrimônio Histórico e 
Cultural, o PDE estabelece que uma das ações do município deve ser 
“incentivar a participação e a gestão da comunidade na pesquisa, 
identificação, preservação e promoção do patrimônio histórico, cultural, 
ambiental e arqueológico” (artigo 90, inciso VII), enquanto que uma das 
seus diretrizes é “a preservação da identidade dos bairros, valorizando as características de sua história, sociedade e cultura” (artigo 89, inciso III).
Em 2003, quando o Belas Artes e o antigo Cine Arte (atual Cultura) estavam 
ameaçados de fechar, a sociedade se mobilizou e impediu este desfecho 
doloroso. Na oportunidade, para apoiar os poucos cinemas de rua que ainda 
restavam na cidade, propus e foi aprovada uma lei que permite aos cinemas, 
como o Belas Artes, pagarem seus impostos municipais com ingressos em 
horários de baixa frequência, a serem utilizados em programas de inclusão 
cultural, para jovens e estudantes de escolas públicas. Na oportunidade, 
depois de passado o sufoco, erramos ao não nos darmos conta de que era 
necessário criar uma proteção legal mais permanente para estes cinemas.
A atual mobilização mostra que, de modo coerente com o PDE, uma parcela 
relevante da comunidade paulistana identificou um bem que faz parte da 
identidade de um bairro, característico da história e cultura de toda a cidad
Não temos tempo a perder, porque o despejo do Belas Artes está marcado 
para o dia 27 de janeiro e em seguida ele será destruído.
O processo de tombamento já foi solicitado pela Associação Paulista de 
Cineastas. Agora é necessário que o Departamento de Patrimônio Histórico 
da Secretaria Municipal de Cultura elabore um bom parecer técnico, e este
artigo modestamente visa contribuir para ele, e a presidência do Conselho
Municipal de Patrimônio Cultural de São Paulo – Compresp deve convoca
uma reunião extraordinária para decidir pela preservação, antes da data fatal. 
Não vamos deixar que mais esta catástrofe ocorra em São Paulo no mês do 
seu aniversário.
PS: O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e 
Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) decidiu colocar em votação no 
dia 18 o tombamento do prédio na Rua da Consolação.

Um comentário:

Anônimo disse...

Postagem palpitante neste sítio, opiniôes assim destacam a quem analisar neste espaço :)
Escreve muito mais de este web site, aos teus visitantes.