AGENDA CULTURAL

4.1.11

Condomínio solidão


Hélio Consolaro*

O prédio era pequeno e simples: 18 apartamentos, seis por andar. Para quem mora em condomínio vertical, de luxo, uma residência por andar, aquilo era um cortiço. Não havia garagem, mas um quintal cimentado e descoberto, com meia dúzia de carros populares. E o senhorio administrava o prédio via imobiliária.

Quando se tem alguma coisa, deve-se tirar proveito dela. Então, ao preencher algum formulário em loja e banco, os moradores diziam de boca cheia:

- Apartamento 204!

É uma forma de deixar aqueles que ainda moram no chão com água na boca. Há gente que se sente frustrada porque não consegue preencher todos os campos de um formulário, no quesito do endereço. Onde vai o número do apartamento fica em branco.

Tenho um amigo que morou num condomínio bem fuleiro, somente com residências térreas. Não era um cortiço porque não havia a tina, o batedor de roupa, a torneira coletiva (a bica d’água) e banheiro “um para todos”. O proprietário usou dois terrenos e fez oito casas parede-meia em toda a divisa, no centro só faltava o pelourinho.  Em vez de dizer casa 1, casa 2, usavam numeração mais chique: apartamento 101, apartamento 102...  Jogo de aparências, pois só o entregador da mercadoria descobria depois como era mesmo o local.   

No condomínio Solidão, ninguém nele morava definitivamente, apenas uma jovem senhora. Se nele houvesse síndico, ela seria vitalícia. Cada um comia em lugares diferentes: no self-service, no carrinho da esquina, no restaurante da universidade. Comer solenemente era um luxo para fins de semana. Quando alguém sonhava em queimar panela num fogãozinho de duas bocas, improvisando um jantar ou um almoço, o cheiro que se esparramava no ar fazia que todos ficassem com saudades de casa ou do passado.

Em fins de semana, ninguém se trancava em casa. Estudantes, professores, mulheres e homens separados, gente em situação provisória. Eram sós, mas também não faziam questão de promover nenhum encontro no condomínio. O máximo era bom-dia, boa-tarde, boa-noite.

Nem havia fofoca, porque porteiro não existia. Apenas uma faxineira de duas vezes por semana que limpava e lavava escadas e corredores. Condomínio simples, não tinha elevador. São aqueles predinhos de três ou quatro andares.  

Pessoas que moram mal, precisam de espaços coletivos de lazer, como clubes. Ou, senão, vazar para ranchos de amigos, casas de parentes, porque ficar sozinho numa quitinete em feriados, sábados e domingos não era programa para o mais radical ermitão. Procurava-se fugir do condomínio Solidão.

Num certo dia, chegou um novo inquilino. Um carro, colchão, travesseiro, lençóis e algumas pastas. E depois foi trazendo as coisas aos poucos. Assustou a todos os moradores: ar-condicionado (só havia buracos vazios no prédio), computador, mandou pôr toldo na janela, livros, livros, livros. Não parava de trazer livros, CDs e DVDs. Era um homem entre livros. Do jeito que veio, parecia que ia ser sua residência definitiva.

Natal, Ano-Novo. Só ele no prédio. Aquela solidão: 17 apartamentos fechados. Silêncio para ouvir os zunidos dos ouvidos.

Depois de sete meses de solteirice, o senhor dos livros, participando de uma reunião, ouviu a leitura de um artigo sobre a importância da casa, da residência, do espaço doméstico no psiquismo da pessoa. Lembrou-se da casa que havia deixado, onde morou por quase 30 anos e lá ainda estavam os seus. Tentou disfarçar o choro.

Não demorou muito, articulou a volta. Pegou suas coisas de novo, levou de volta: livros, livros, livros. Era a sua volta ao ninho.

Adeus, condomínio Solidão.
     

2 comentários:

Marisa Mattos disse...

E aí fico imaginando que certamente dona Solidão fez para sempre morada no coração daquele homem...Desculpe minha burra opinião.Abreijos da Marisa.

Patrícia Bracale disse...

Lar doce lar, prefiro em uma casa.
Prédio dá uma sensação de solidão e prisão.