Biblioteca Nacional completa 200 anos de portas abertas ao público
Renato Grandelle - O Globo - 13/05/2011
Intelectuais como Benjamin Constant, João Caetano e Manoel Antônio de Almeida tiveram presença registrada (e frequente) na Biblioteca Nacional, cuja abertura para o público completou ontem 200 anos. A instituição, fundada em 1810, teve, em seus primeiros meses, acesso franqueado apenas à Família Real. O privilégio caiu por ordem do então príncipe-regente D. João VI, que dispôs as 60 mil peças do acervo a pesquisadores da Corte - desde que autorizados por ele. A trajetória dos frequentadores entre as estantes será lembrada, na semana que vem, em uma mostra no saguão da biblioteca.
FOTOS: Os 200 anos da Biblioteca Nacional em imagens.
Além dos ilustres, a instituição contava com uma penca de indesejados - e não fazia questão de esconder seus nomes. Avisos como "prohibida a entrada de Aarão Ackermann e David Vieira, por haverem retalhado e subtrahido paginas de livros que lhes foram dados para consulta (...)" já foram comuns na entrada da biblioteca.
- Volta e meia acontece de folhearmos uma obra e ver uma janelinha no meio da página. Era alguma coisa, provavelmente uma gravura, retirada com canivete - conta Mônica Rizzo, diretora do Centro de Referência e Difusão da Biblioteca Nacional.
Os prefeitos, como eram chamados os administradores da coleção, precisavam lidar com outras tentações. Livros (e até jornais) eróticos deviam ser alojados no inferno, um espaço cuja consulta era proibida. A seção não existe mais, embora obras condenadas judicialmente - como a biografia não-autorizada "Roberto Carlos em detalhes", de Paulo Cesar de Araújo - continuem vetadas aos leitores. E, durante o regime militar, fichas como as de Karl Marx teriam "desaparecido" do acervo.
- D. João fazia aniversário no dia 13 de maio, e era praxe ele aproveitar a data para assinar medidas importantes. Em 1811, uma delas foi a abertura da biblioteca para pesquisadores autorizados - explica Mônica. - Fazia-se um pedido por escrito. Esta formalidade caiu apenas três anos depois, quando o acesso foi liberado para toda a população.
Não que a biblioteca tenha sido invadida por leitores ávidos. Afinal, a cidade contava com apenas 60 mil pessoas, e o número de alfabetizados era um mistério.
- Cerca de 90% sabiam assinar os seus nomes, o que não quer dizer que todos conseguiam ler os livros - ressalta o historiador Nireu Cavalcanti. - Mas, ainda assim, a abertura da biblioteca à população foi um presente para a cidade. Tratava-se de uma das coleções mais respeitadas da Europa.
Pela sua formação ligeira, em apenas meio século, a coleção tinha de tudo um pouco, embora seus destaques fossem mapas e informações sobre as colônias. Estas, aliás, ficavam devidamente enclausuradas numa seção restrita, junto a outros documentos de Estado. A realeza não ia à biblioteca, mas mandava os criados buscarem o que lhes interessasse. D. Pedro II, notório intelectual, era o que mais fazia uso do serviço. Também foi ele, aliás, o maior doador individual da história da instituição. Boa parte de seu acervo foi para lá quando ele partiu para o exílio europeu, após a proclamação da República. Uma fotografia de sua coleção, retratando sua mulher, a imperatriz Teresa Cristina, está entre os dez documentos mais consultados da World Digital Library, site que reúne documentos de diversas bibliotecas do mundo.
A entrada da instituição na associação mundial, assim como o seu próprio site, são amostras de que a Biblioteca Nacional não briga com o futuro. A digitalização do acervo foi iniciada em 1982 e não termina tão cedo - afinal, 100 mil novos títulos dão entrada na instituição anualmente, e as fichas manuscritas do século XIX ainda não foram aposentadas.
- Os funcionários eram pagos por ficha de livro produzida. E precisavam ter boa caligrafia - pondera Mônica. - O catálogo produzido per$como consulta, porque, por mais que olhemos para trás, o futuro também exige atenção.
Renato Grandelle - O Globo - 13/05/2011
Intelectuais como Benjamin Constant, João Caetano e Manoel Antônio de Almeida tiveram presença registrada (e frequente) na Biblioteca Nacional, cuja abertura para o público completou ontem 200 anos. A instituição, fundada em 1810, teve, em seus primeiros meses, acesso franqueado apenas à Família Real. O privilégio caiu por ordem do então príncipe-regente D. João VI, que dispôs as 60 mil peças do acervo a pesquisadores da Corte - desde que autorizados por ele. A trajetória dos frequentadores entre as estantes será lembrada, na semana que vem, em uma mostra no saguão da biblioteca.
FOTOS: Os 200 anos da Biblioteca Nacional em imagens.
Além dos ilustres, a instituição contava com uma penca de indesejados - e não fazia questão de esconder seus nomes. Avisos como "prohibida a entrada de Aarão Ackermann e David Vieira, por haverem retalhado e subtrahido paginas de livros que lhes foram dados para consulta (...)" já foram comuns na entrada da biblioteca.
- Volta e meia acontece de folhearmos uma obra e ver uma janelinha no meio da página. Era alguma coisa, provavelmente uma gravura, retirada com canivete - conta Mônica Rizzo, diretora do Centro de Referência e Difusão da Biblioteca Nacional.
Os prefeitos, como eram chamados os administradores da coleção, precisavam lidar com outras tentações. Livros (e até jornais) eróticos deviam ser alojados no inferno, um espaço cuja consulta era proibida. A seção não existe mais, embora obras condenadas judicialmente - como a biografia não-autorizada "Roberto Carlos em detalhes", de Paulo Cesar de Araújo - continuem vetadas aos leitores. E, durante o regime militar, fichas como as de Karl Marx teriam "desaparecido" do acervo.
- D. João fazia aniversário no dia 13 de maio, e era praxe ele aproveitar a data para assinar medidas importantes. Em 1811, uma delas foi a abertura da biblioteca para pesquisadores autorizados - explica Mônica. - Fazia-se um pedido por escrito. Esta formalidade caiu apenas três anos depois, quando o acesso foi liberado para toda a população.
Não que a biblioteca tenha sido invadida por leitores ávidos. Afinal, a cidade contava com apenas 60 mil pessoas, e o número de alfabetizados era um mistério.
- Cerca de 90% sabiam assinar os seus nomes, o que não quer dizer que todos conseguiam ler os livros - ressalta o historiador Nireu Cavalcanti. - Mas, ainda assim, a abertura da biblioteca à população foi um presente para a cidade. Tratava-se de uma das coleções mais respeitadas da Europa.
Pela sua formação ligeira, em apenas meio século, a coleção tinha de tudo um pouco, embora seus destaques fossem mapas e informações sobre as colônias. Estas, aliás, ficavam devidamente enclausuradas numa seção restrita, junto a outros documentos de Estado. A realeza não ia à biblioteca, mas mandava os criados buscarem o que lhes interessasse. D. Pedro II, notório intelectual, era o que mais fazia uso do serviço. Também foi ele, aliás, o maior doador individual da história da instituição. Boa parte de seu acervo foi para lá quando ele partiu para o exílio europeu, após a proclamação da República. Uma fotografia de sua coleção, retratando sua mulher, a imperatriz Teresa Cristina, está entre os dez documentos mais consultados da World Digital Library, site que reúne documentos de diversas bibliotecas do mundo.
A entrada da instituição na associação mundial, assim como o seu próprio site, são amostras de que a Biblioteca Nacional não briga com o futuro. A digitalização do acervo foi iniciada em 1982 e não termina tão cedo - afinal, 100 mil novos títulos dão entrada na instituição anualmente, e as fichas manuscritas do século XIX ainda não foram aposentadas.
- Os funcionários eram pagos por ficha de livro produzida. E precisavam ter boa caligrafia - pondera Mônica. - O catálogo produzido per$como consulta, porque, por mais que olhemos para trás, o futuro também exige atenção.
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