AGENDA CULTURAL

5.4.12

Os sentimentos de quem fica

Hélio Consolaro*
 
Ao ouvir Adele cantando Someone Like You, me lembro que o padre Antônio Vieira descobrira isto nos idos do século 17: o amor é menino, não passa dos 07 anos, não pode crescer, é descabeçado, irracional. Se não for assim, não é amor.

Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento.(Padre Antônio Vieira)

A música retrata os sentimentos de quem fica.  Quem fica precisa ser tão desprendido como a personagem Mariana no livro Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco,  Simão e Teresa faz o par amoroso como  Romeu e Julieta da língua portuguesa. Mariana quer a felicidade de Simão, seu amado, com Teresa, mesmo que produza a sua própria infelicidade. Um amor verdadeiro, desinteressado, que colabora com o leva-e-traz de cartas entre os apaixonados.

Quem ama porque o amam, é agradecido; quem ama, para que o amem, é interesseiro; quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, esse só é fino. (Padre Antônio Vieira)

A felicidade de uma pessoa não pode depender de uma outra pessoa, mas os românticos têm a concepção do amor eterno. Nos momentos de paixão intensa a vida ganha sentido, descobrimos a  luz, estamos prontos para saltar para o fundo do abismo, nada nos amedronta, refletimos no outro o par ideal. É um momento mágico, não queremos ser acordado, o sonho precisa durar, é um encontro consigo mesmo. Apenas quem passou por isso pode imaginar quão belo é o momento, porém pode deixar um amargor no coração. Mas não é a saudade o leitmotive dos românticos?

Como escreveu o mesmo Camilo Castelo Branco que os românticos tinham orgasmo, quando passavam e alguém dizia:  foi uma paixão não correspondida que o reduziu àquilo!. Um ser magérrimo, macilento, cheio de olheiras. Candidato à tuberculose.
 
Mas lembre-se do que escreveu Manuel Maria Barbosa Du Bocage, poeta português, na cançoneta anacreônica "Fílis e o Amor", quando o Cupido diz: ninguém brinca comigo sem suspirar depois.

Quem ama é um candidato ao sofrimento, porque o outro não é nada daquilo que fora imaginado. Como compôs Amália Rodrigues, e canta Caetano Veloso em Estranha forma de vida: Foi por vontade de Deus / Que eu vivo nesta ansiedade/ Que todos os ais são meus /Que é toda minha saudade.

Os apaixonados têm coração desgovernado.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Atualmente é secretário municipal de Cultura de Araçatuba.

Ouça a música de Adele:

Fílis e Amor

*Cançoneta anacreôntica


Num denso bosque
Pouco trilhado,
E a ternos crimes
Acomodado,
Mas o travesso
Logo outro pede
À simples Ninfa
que lhos concede.

Por entre a rama
Fresca e sombria
Do tenro arbusto
Que me encobria

Que por matar-lhe
Doces desejos,
A cada instante
Repete os beijos.

Vi sem aljava
Jazer Cupido
Junto de Fílis
À Mãe fugido.

Assim brincavam
Fílis e Amor,
Eis que o Menino,
Sempre traidor,

Entre as nevadas
Mãos melindrosas
Tinha um fragrante
Festão de rosas.

Co’a pequenina
Boca risonha
Lhe comunica
Sua peçonha.

A mais brilhante
Dele afastando,
Dizia a Fílis
Com riso brando:

Descora Fílis
E de repente
Solta um suspiro
D’alma inocente

“Mimosa Ninfa,
Glória de Amor,
Dás-me um beijinho
Por esta flor?“

Mal que o gemido
Férvido soa
O mau Cupido
Com ele voa

“Sou criancinha,
Não tenhas pejo.”
Sorriu-se Fílis
e deu-lhe o beijo;

“Ninguém, ó Ninfa
(Diz a adejar),
Brinca comigo
Sem suspirar.”
Manuel Maria Barbosa Du Bocage+*+   

2 comentários:

Anônimo disse...

Consa, você é demais, sô. Imagino a vigília para nos proporcionar tão belas páginas.

Permita-me lembrar Manuel Bandeira:

"Procura, sem queixa, curtir o mal que te crucia, que o mundo é sem piedade e até riria de tua inconsolával amargura".

Gabriel, "Bié "O Prosador".

Unknown disse...

Obrigada...por tudo.

Um abraço pra vc.