Revista da Cultura
36 anos foram mais do que suficientes para transformar Robert Nesta Marley, nascido em 6 de fevereiro de 1945 no vilarejo Nine Mile, da Jamaica, em um dos maiores ícones da música mundial. Bob Marley faleceu em Miami, nos Estados Unidos, em 11 de maio de 1981, mas continua sendo reverenciado mundo afora e teve a vida contada no documentário Marley, dirigido pelo norte-americano Kevin Macdonald, previsto para chegar aos cinemas brasileiros no final deste mês.
36 anos foram mais do que suficientes para transformar Robert Nesta Marley, nascido em 6 de fevereiro de 1945 no vilarejo Nine Mile, da Jamaica, em um dos maiores ícones da música mundial. Bob Marley faleceu em Miami, nos Estados Unidos, em 11 de maio de 1981, mas continua sendo reverenciado mundo afora e teve a vida contada no documentário Marley, dirigido pelo norte-americano Kevin Macdonald, previsto para chegar aos cinemas brasileiros no final deste mês.
MÚSICA
Após
mudar-se para a capital da Jamaica, Kingston, com 6 anos, indo morar
em um dos bairros mais pobres, Trench Town, Bob Marley correu sérios
riscos de entrar para as pesadas gangues locais, mas foi salvo, aos 16
anos, ao gravar o single Judge Not. O primeiro sucesso veio em 1964, Simmer Down,
com os The Wailing Wailers. A partir daí, outros sucessos se seguiram,
responsáveis por propagar o reggae pelos quatro cantos do planeta.
“Marley foi o primeiro artista do então chamado Terceiro Mundo a
conseguir projeção internacional. Hoje, com a força da internet, isso
parece corriqueiro, mas, entre os anos 1970 e 1980, era impensável”,
garante o jornalista Carlos Albuquerque, autor do livro O eterno verão do reggae.
MACONHA
Da capa do álbum Catch a Fire,
de 1973, a um pote colocado em cima da sepultura, a “ganja” – como é
chamada pelos rastafáris a maconha, considerada por eles uma erva
sagrada – também foi muito presente na vida e na obra do músico, tanto
que a expressão aparece em canções como Ganja Jun e Legalize It,
na qual garantia ser ela boa para gripe, asma, tuberculose e trombose.
“A erva não aparecia apenas nas músicas de Marley, mas de todos os
artistas que, como ele, seguiam os princípios do rastafarianismo”,
analisa Albuquerque.
FUTEBOL
A
paixão pelo futebol começou quando o Santos, de Pelé, foi jogar na
Jamaica, e era tão declarada que ele fez parte da equipe local House of
Dread. Além disso, na estátua que fizeram para ele em Kingston, Marley
aparece com uma bola nos pés. Talvez poucos saibam, mas, em 19 de
março de 1980, o cantor esteve no Brasil e participou de uma legítima
“pelada” no Rio de Janeiro, com os funcionários da Ariola contra alguns
dos artistas contratados pela gravadora no Brasil, como Chico Buarque,
Alceu Valença e Toquinho. “Ele era meio pé duro esforçado. Fazendo
música e jogando bola... O mesmo prazer da brincadeira e do improviso.
Continuar criança e brincando no planeta”, comenta o ator, cantor e
compositor Evandro Mesquita, que foi convidado a participar do jogo
pelo veterano Paulo Cézar Lima, mas chegou só quando a partida havia
terminado e, mesmo assim, trocou alguns passes com o ídolo.
MULHERES
Logo
no início da carreira, Bob Marley conheceu Alpharita Anderson, a Rita,
que integrou o conjunto vocal I Threes, que acompanhava os Wailers.
Com ela, que foi a mulher “oficial”, em meio a outros relacionamentos, o
ícone do reggae teve quatro de seus 12 filhos, entre os quais estão os
renomados Ziggy e Stephen Marley, além de Kymani Marley, Julian Marley
e Damian Marley (vulgo Jr. Gong), que também seguiram a carreira
musical. “Bob Marley criou algumas canções perfeitas, como Is This Love e Waiting in Vain,
mas, ao mesmo tempo que escrevia coisas inacreditáveis sobre a mulher e
a relação com elas, era machista, sexista e batia nas esposas dele”,
relata Toni Garrido, vocalista da banda Cidade Negra.
AMOR
O
amor, tanto de um homem por uma mulher como entre as pessoas, sempre
esteve presente nas músicas compostas e interpretadas por Marley. “One love! / One heart! / Let’s get together and feel all right”. “A música One Love
tem três leituras explícitas: pode ser apenas uma música de amor, uma
leitura sexual de um casal e/ou um grito político e panfletário de
‘estamos juntos, somos fortes... Vamos à luta!’. Genial”, avalia
Evandro Mesquita. Essa temática apareceu também no álbum Kaya, de 1978.
PAZ
O
ídolo maior do reggae pregava a paz, não apenas em seu país, mas
também em outros lugares, principalmente nas nações africanas, a ponto
de fazer questão de se apresentar no Zimbábue, país ao qual dedicou uma
canção em que afirma que todo homem tem o direito de decidir seu
próprio destino. “Bob Marley era um guerreiro no sentido de transformar
a sociedade com suas palavras e gestos. A Jamaica de sua época vivia
grande inquietação política. Na véspera da eleição entre os dois rivais,
em um concerto, Bob intimou os dois políticos a subir ao palco e uniu
suas mãos, clamando por paz entre os irmãos jamaicanos”, diz o
radialista e músico Jai Mahal, especialista em reggae e integrante da
banda Jai Mahal e os Pacíficos da Ilha.
GUERRA
“Até
que não exista cidadão de primeira / E segunda classe de qualquer
nação / Até que a cor da pele de um homem / Seja menos significante do
que a cor dos seus olhos / Haverá guerra”, cantou Bob Marley, na música
War, do álbum Rastaman Vibrations,
de 1976. “Ele era um cara que pregava o amor universal e a paz, só que
estava lá com o Peter Tosh na base da luta armada, praticamente. Era
um ativista político ferrenho e não necessariamente um pacifista”,
descreve Garrido.
POLÍTICA
“Antes
de fazer sucesso mundial (com a ajuda da gravadora Island, do
conterrâneo branco Chris Blackwell), Marley já tinha enorme reputação
na Jamaica. Era um líder e abraçava as causas de sua terra de uma
maneira quase messiânica”, garante Jai Mahal. Contar com o apoio de Bob
Marley nas campanhas eleitorais, portanto, era um trunfo decisivo. Em
1976, ele topou realizar um show para o candidato socialista Michael
Marley, do Partido Nacional do Povo. Porém, alguns dias antes, sofreu
um atentado, que resultou em um tiro no peito dele. A esposa, Rita, foi
baleada de raspão na cabeça, e o empresário, Don Taylor, levou cinco
tiros. Era o mais nítido sinal de que ele estava incomodando, e muito,
os conservadores.
RELIGIÃO
“Eu
não tenho religião... sou natural; não é uma religião, é só uma coisa
natural que a gente tem”, declarou Bob Marley em entrevista ao
fotógrafo e escritor Fikisha Cumbo, em 1975. Porém, ele foi convertido
por Rita à religião rastafári, que teve na Jamaica a primeira
organização do planeta, a Sociedade para a Salvação da Etiópia, que,
desde a década de 1930, tinha como imperador Ras Tafari Makonnen, mais
tarde Hailé Selassié. A crença religiosa teve inúmeras manifestações na
obra do músico, a partir do álbum Soul Rebels, de 1970, e teve papel fundamental na morte dele, vítima de um câncer que se espalhou por cérebro, pulmão e estômago. “A causa mortis dele
está totalmente ligada à religiosidade. Ele sabia dos riscos que
estava correndo e da importância que tinha vivo, inclusive”, enfatiza
Toni Garrido, referindo-se à decisão do cantor de não amputar o dedão
de seu pé direito quando, em 1977, foi diagnosticado nele o início do
câncer chamado melanoma maligno – que dali se ramificou para outras
partes do corpo. Segundo a religião seguida por Marley, um corpo não
deveria ser violado jamais.
SOCIEDADE
Até
hoje, as marcas de Bob Marley podem ser claramente percebidas na
sociedade jamaicana, a qual fez questão de retratar em inúmeras
músicas, caso de Trench Town, na qual descreve o ato de subir o rio Cane para lavar os dreadlocks
(forma de manter o cabelo em espécies de bolos cilíndricos,
semelhantes a cordas, no topo da cabeça) numa pedra. “Ele vai ser
sempre o grande ícone da cultura jamaicana, mas é ingênuo acreditar que
as novas gerações não tenham seus próprios ídolos ou não ouçam seus
próprios sons, que são bem diferentes daquele produzido por Marley em
sua carreira”, garante Albuquerque. “Bob Marley é o Tom Jobim da
Jamaica. As pessoas sabem da importância dele e que é fundamental,
maravilhoso e grande, mas não ficam falando dele o tempo todo e nem o
ouvindo”, conclui Toni Garrido, que gravou e remixou discos lá e
participou dos três mais importantes festivais locais de reggae.
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