Hélio
Consolaro*
Quanto mais
voou, mais insignificante me sinto, mas parece que esse sentimento não é de
todos, porque a riqueza voa pelo céu, a pobreza rasteja pelo solo.
Executivos,
milionários com seus aviões particulares, todos voam. Os pobres mortais andam
de ônibus, quando muito, viajam com seus carros.
Aquela
sensação de ver embaixo tudo miudinho me deixa incomodado. Nem sei se Deus me
enxerga, porque ele cuida do infinito, enquanto os pregadores insistem que Ele
conhece o seu rebanho.
Esse tempo
de fim de inverno também me traz ainda mais para minha insignificância. Nariz
ressecado, gripe fácil, jardins sem grama, água mais cara. Não há umidificador
que dê conta. O meio ambiente é tudo, se houver um desequilíbrio ecológico,
estamos todos mortos.
Mas há quem
brigue pelo poder, ou melhor, pela bostinha do poder. Desde o rico até o
pobrezinho, cada um a sua maneira, tem a sua briga pelo poder, nem que seja
dentro de um casebre. O negócio é estar por cima, mandar, submeter.
Dessas
coisas do cotidiano podemos transcender para a filosofia. O homem é bom ou mau
por natureza? Confesso que não estou interessado na divisão bom/mau, esse
maniqueísmo que empobrece nossas relações. A maldade e a bondade moram dentro
de nós e se manifestam igualmente.
Dizem que os
santos deixam o mal imerso, e o bem emerso, por isso são pessoas zen,
harmoniosas, íntegras. Outros afirmam que somos maus por natureza e Jesus
Cristo veio para resgatar a bondade nos seres humanos. O trabalho está difícil.
Também
explicam que os inimigos moram dentro de nós, há gente que os deixa tomarem conta
de nossas ações, então, só damos cabeçadas.
Em nossa
insignificância, ficamos perguntando isso, aquilo, querendo tatear os motivos
de nossa existência. Morremos ignorante, não há salvação.
Meu nariz
ressecado me leva a tais reflexões, somos tão frágeis quanto os pardais, as
formigas, e não há máquinas e inventos que nos tiram dessa condição de
fragilidade.
Tenho inveja
das pessoas que vivem e morrem sem perguntarem nada, sem ambição. Parece que
são mais felizes. Vivem como os animais, quase instintivamente. Fazem sua reza,
confiam cegamente num Deus e acham que vencerão este vale de lágrimas à procura
de mundo melhor, numa transcendência mágica. Se houver céu, realmente é deles.
Caro leitor,
deixe de lado esta crônica, sou um sujeito que quer pôr caraminholas em sua
cabeça, me renegue, não termine a leitura, não mereço a sua atenção. É melhor
morrer rastejando.
*Hélio Consolaro
é professor, jornalista, escritor. Secretário municipal de Cultura de
Araçatuba-SP
2 comentários:
Adorei essa sua crônica. Foi minha primeira leitura do dia. Que bom!
Parabéns pelas reflexões. Abraço, Mariluci
Gostei. Me pareceu uma catarse, mas gostei. Em alguns momentos de nossas vidas passam tais ventos.
Cada um continuará a crônica segundo suas próprias ideias; talvez seja esse um dos pontos importantes do seu trabalho.
Um abraço e obrigado.
adautoem@gmail.com
Adauto Elias Moreira
Paraguaçu Paulista
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