AGENDA CULTURAL

9.9.15

Hélio Negri por Hélio Negri - uma vida inteira dedicada ao rádio

Jornal O LIBERAL, 08/09/2015 - ARAÇATUBA           
                             
     Somos a vida e o sonho, já disse o poeta. Muitos o procuram com desespero, angústia, aquele incômodo interior que os perseguem dia após dia, como um desafio incessante, impiedoso, às vezes cruel. Para algumas pessoas – entre as quais eu me incluo – a busca se inverte e o sonho se revela, imprevisível como todo acontecimento decisivo. Simplesmente se mostra, acomoda-se como parte de seu cotidiano e de sua vida. Como em um passe de mágica, diz que é seu!

     O acaso e a oportunidade me fizeram um homem de rádio, pelas mãos de Milton Gallo e Paulo Edson Soares, na Rádio Luz de Araçatuba, da Rede Lebre Pinto. Depois professor e jornalista, mais tarde um bacharel em Direito já seduzido pelo fascinante universo da comunicação, especialmente da boa música. O tempo e o discernimento me tornaram um programador eclético, mais cuidadoso ao lidar com as emoções. Um ouvido mais atento, aprendiz.

Há 50 anos, o rádio me deu um norte, apontou uma direção.

     Aprende-se com os erros e acertos a compreender a grandeza da vida pela própria cabeça, o que considero uma inegável conquista para toda pessoa. Como dizia Maquiavel, existem três tipos de cabeças: uma que entendem por si mesmo as coisas; outra que sabe discernir o que os outros entendem, e uma que nem por si entende, nem sabe ajuizar o trabalho dos outros. A primeira – dizia – é excelente, a segunda muito boa e a terceira inútil. Talvez seja essa capacidade do poder transformador da palavra uma das razões determinantes para continuar trabalhando em rádio, porque somos, de fato, seres em construção.

     Dona Maria Aparecida Pimentel Ferraz foi uma das minhas primeiras entrevistas. A timidez não combina com radialista e ela foi decisiva: acolheu o garoto com um grande sorriso, daqueles sinceros que nela eram permanentes. O primeiro bom conselho: confiança é fundamental em qualquer profissão. Esposa do engenheiro Agnaldo Ferraz (que foi vice-prefeito) era uma pessoa de gestos grandiosos e muitas outras vezes nos encontramos, particularmente nos períodos que promovia a sua festa das nações reunindo as várias colônias de Araçatuba, num trabalho filantrópico inestimável.




     Ao longo do tempo, fui aprendendo e entrevistando personalidades que chegavam por aqui. Gente interessante como Gilberto Gil e Jards Macalé, que vieram na década de 70 para um show que promovemos com José Ruy Veloso Campos, barba cerrada e ainda toda negra. Marília Pêra, depois do espetáculo “Apareceu a Margarida”, soberba como sempre. John Herbert e Eva Vilma, Junto com o colega Jota Batajelo.

     Pessoas que foram alinhavando minha carreira de repórter e nela deixando suas marcas pessoais. Lembro-me de uma série de entrevistas feitas no Edifício Arbex, com um pequeno gravador de rolo da marca Geloso, modelo g257, Wilson Miranda foi simpático ao me apresentar aos demais, mas Mauricy Moura, com seu vozeirão e que muitos consideravam na época o sucessor de Silvio Caldas, pegou o violão e cantou os lamuriantes versos de Lupicínio Rodrigues: “desta vez eu vou brigar com ela, mesmo que com isso eu tenha que morrer...”

     E os velhos carnavais? Primeiro, o corso em volta da praça Rui Barbosa e o povo nas calçadas. Depois, entrevistando reis momos em seus carros alegóricos, os blocos que saiam às ruas, os bailes nos clubes. Reis Momos carismáticos, mais recentes, como João Navarro.  João, o operário da Prefeitura Municipal, “o menino João, a segurar flocos de confetes e a soltar intermináveis rolos de serpentina, como crianças soltam pipas, enlevadas olhando para o céu...”, como escrevi em um distante 1990, quando não pôde exercer seu reinado por problemas de saúde.

     O privilégio de conhecer e conviver com Aracy e Geny Rico, duas das mais importantes personalidades do carnaval araçatubense. Um grupo nota 10 em criatividade e alegria: mais Dario, Álvaro, Lola, Conchita, Ziza e Malá, radialista como Aracy. Alexandre Filie (que sempre ganhava o prêmio de maior folião do Araçatuba Clube) e Vicente Scala, seu mais emblemático diretor social. E transmissões históricas no Bancários e no Corinthians.

     A sorte de ter conhecido figuras maravilhosas como Carlos “Chita” Menezes, que apresentava o Brasil Saudade, nas noites de domingo e quem eu substituía nos imprevistos. Aprendi a ouvir e apreciar as grandes vozes da música brasileira, como o próprio Silvio Caldas, o “caboclinho querido”, Gilberto Alves, Orlando Silva, Francisco Alves (o “rei da voz”, que todos idolatravam) Nelson Gonçalves, entre outros. Com o professor de violão, Zé Maria aprendi a gostar de Francisco Tárrega, do espanhol Andrés Segovia e do brasileiro Dilermando Reis. Fazia com ele um programa nas manhãs de domingo na Rádio Luz: uma voz e um violão.

     A oportunidade de trabalhar e me tornar amigo de Luis Carlos Dini (cujo filho, Bruno Mazzei, é meu colega na Clube FM), Aimoré Chiquito Ortega, Hélio Vieira de Freitas, Maria Lopes e Licurgo Tabajara, já nas coligadas, Os sonoplastas Renato Franco, Ademir Giron e Édipo Pereira. Meus ex-gerentes e amigos, Eulálio Cruz e Antonio Simões.
                                                                 ECLÉTICO

     Também gosto de jazz, e devo isto a um diretor da Óleos Menu, de Guararapes, recém chegado do Japão. Trabalhava na Rádio Difusora local. Pediu ao Simões para gravar algumas fitas de LPs que havia trazido do seu país. Incumbido da tarefa, ao invés das tradicionais canções japonesas (que esperávamos gravar) passei uma tarde ouvindo Duke Ellington, Louis Armstrong, Coleman Hawkins, John Coltrane, Count Basie e muito Miles Davis, um capítulo à parte na história do jazz. Poucas palavras e uma aula musical inesquecível.

     No Tiro de Guerra, quando chovia, havia instrução teórica com todos reunidos em um grande salão. Em silêncio absoluto. O Sargento Torres, dentista, baiano de Salvador, perguntou quem queria ler um texto sobre o regulamento do Exército e um gaiato logo me indicou. Subi constrangido em um praticável montado à frente dos demais atiradores e comecei a leitura, em voz alta, empostada, voz de locutor. Bastaram às primeiras manchetes e ele, lá no fundo, mandou parar. 

Atravessou o corredor na minha direção, em passos que pareciam intermináveis, fez uma brincadeira qualquer sobre a minha voz e mandou que eu lesse “como gente grande”, sob uma enxurrada de risos. Seja natural e simples, foi a grande lição, mas não a única. Um dia me pediu uma gravação das Três Baianas, que seriam no futuro o Quarteto em Cy. Tornamo-nos grandes amigos.

     Radio e jornal, dois caminhos entrelaçados. Paulo Edson e Ubirajara Lemos. Duas escolas da vida. Não posso esquecer-me de dois telefonemas antológicos. Um deles com a ajuda do amigo Donosor Xavier Negrão, quando entrevistei (via Embratel e por quase uma hora, para a extinta Folha da Manhã) o baiano Dorival Caymmi. Em outra ocasião, pelas mãos do ortopedista médico da Seleção Brasileira, Arnaldo Santiago, quando tive o privilégio de conversar com um de meus ídolos, Paulinho da Viola.
                
                                                O FUTURO
     As novas tecnologias trouxeram novos tempos para o rádio, porém ele continua imbatível como ferramenta de comunicação de massa. O que era praticamente impossível antigamente, hoje é a coisa mais fácil: sintonizar a maioria das emissoras de rádio em qualquer lugar do planeta, pelo computador ou pelo celular. Verdadeiro milagre era ouvir com qualidade “Os Titulares da Notícia”, uma narração do meu tricolor com Fiori Gigliotti, “O Trabuco” de Vicente Leporace, na Bandeirantes. Fausto Canova na Jovem Pan ou Collid Filho com seu “Salão Grená” na Tupi do Rio.

     È brega, é moderna, é chique, é antiga, não importa. A música faz parte da vida de todos nós. Une as pessoas como uma ponte. Em casa, no trabalho, no trânsito. Faz bem ao espírito, já sabemos. Marco Antonio Moreira, de Penápolis, é aposentado e conserta fogões. Em várias visitas, sabendo que os donos da casa gostam de música, recomenda meu programa na Clube FM de Araçatuba. Às vezes, deixa de presente um cd com temas extraídos da programação. Gosta dos irmãos Gershwin. Aldo Ferratoni, meu saudoso amigo de Mirandópolis, ligava o rádio no último volume e todos que passavam na calçada de sua casa acabavam ouvindo o Programa Hélio Negri. Um dia mandei a ele um cd de presente, pelas mãos do então perfeito Jorginho Maluly. “Foi o máximo”, disse ele, com seu agradável sotaque italiano. Pequenos gestos, grandes lições!

     Esta é a força do rádio. Cada vez mais múltipla, plataforma tecnológica imbatível. Uma boa companhia 24 horas, democrática: liga ou desliga, ao gosto do consumidor. Estou completando 30 anos de programa neste formato: Rádio Cultura, Rádio Cidade que virou Antena 1, Transamérica, Jovem Pan e atualmente na Clube FM. Em todas elas, o respeito pela boa música. O grande violinista lituano Jascha Heifetz, considerado um dos mais perfeitos de sua época, resumiu este respeito que se deve ter diante do artista (ou da sua obra) ao elogiar seu conterrâneo, também violinista, Fritz Kreisler: “Eu o ouvi muitas vezes, cheio de encantamento. Sua música me prendia tanto que eu deixava de respirar, para não fazer nenhum ruído”.                                                                                            

                                                                             

2 comentários:

Hospitality & Tourism disse...

Hélio Negri foi um grande amigo naquele início dos 70'em Araçatuba. E segue sendo em minhas boas memórias do tempo.
Educado, conciliador, simples e direto em sua franqueza.
Uma pessoa da qual se gosta facilmente. E não se esquece. Nunca!

Pedro R. Silva disse...

Lembro me do Hélio Negri lá na Difusora de Guararapes, nos idos 1970/1971. Um dia foi embora, mas deixou sua marca nos muitos comerciais que ele deixou gravado. Toda cidade tem seu Eron Domingues, seu Cid Moreira. Vida longa ao Hélio Negri, grande voz do rádio regional.