Hélio Consolaro*
Não sei por que, caro leitor, mas vou lhe contar um fato que
é só meu. Estou revelando a minha intimidade, mas, nós, seres humanos, somos
tão parecidos que,
com certeza, você também deve ter algum outro semelhante que
seja só seu, e ele é recorrente, porque toda vez que acontece vem à cabeça as
lembranças, com as mesmas imagens.
A laranja pode ser a mais azeda possível, mas descascá-la me
traz doces lembranças. Não se trata de cortar a laranja ainda com casca em
quatro partes. Nem aquele método de deixar a laranja nua, aparecendo todos os
gomos.
Não, caro leitor, trata-se da descascação em rodilha,
fazendo aquela longa tira que, depois de seca, serve para acender o fogão à
lenha. As rodilhas do cérebro se confundem com a laranja.
Lá no sítio, a gente chupava laranja aos montes, fazendo monturo de casca, no pomar, apanhando da laranjeira e chupando as frutas, sem lavar mesmo.
Lá no sítio, a gente chupava laranja aos montes, fazendo monturo de casca, no pomar, apanhando da laranjeira e chupando as frutas, sem lavar mesmo.
O meu maior desejo quando criança era descascar laranja
assim como meu pai, minha mãe, os adultos, em rodilha. Quando eu consegui, me
senti um soldado raso passando a ser cabo.
A laranja ainda é minha fruta preferida. Às vezes, atravesso
a cidade para encontrar a laranja-da-baía (ou laranja de umbigo) no supermercado Pão de Açúcar, quando o supermercado Amigão
falha comigo.
Não há mais variedade de tipos. Laranja, só a pera; a
melancia, só a Santa Bárbara; a manga, só a Haden, que é transgênica. Só
permaneceram a espécie que resiste mais ao tempo na gôndola, não apodrece logo.
E aos poucos vão chegando as frutas transgênicas, como a melancia pequena, sem
sementes.
Outro dia me peguei descascando laranja na pia da cozinha de
casa, fazendo rodilha. O mamão ou a banana é minha fruta do café da manhã. A
laranja encerra meu almoço e meu jantar. Esse ato de descascar laranja me leva
para a zona rural, onde passei a minha infância.
Não tive uma meninice boa, mas era um tempo em que não se vendia água. Pulei cercas, chupei frutas silvestres, fui a pé para a escola, até chegar com a faca ao pé da laranja.
Não tive uma meninice boa, mas era um tempo em que não se vendia água. Pulei cercas, chupei frutas silvestres, fui a pé para a escola, até chegar com a faca ao pé da laranja.
Descascar laranja é descobrir o mundo, chupá-la, dando a
tampinha para a companheira, e depois engolir o bagaço. Saborear os saberes da vida.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário
municipal de Cultura de Araçatuba-SP
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