Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Autora: Glória Hurtado.
Hélio Consolaro*
Há gente que leva a sua vida numa linha reta, eu
procuro organizar a minha em fases. Embora seja uma vida paga a prestação,
deixo a vida me levar, meu barco tem motor e leme. Há momentos em que se desliga
tudo, dorme-se e deixa a embarcação ao sabor do balanço das águas.
Já doei mais da metade de meus livros para a biblioteca municipal Rubens
do Amaral, mas sou daqueles que grifa as partes interessantes dos livros
(apostilar) que se transformam em minhas paixões. Esses são instransferíveis.
Há muito, vejo aqui em casa a despensa lotada de coisas.Eu ainda ainda cultivo minha caixa de ferramenta,
hábito do velho pai carpinteiro, caixa de apetrechos para engraxar sapatos.
Quanto mais espaço, mais bagunça. Não sirvo para morar encaixotado em
apartamentos.
Além disso, há aquelas tranqueiras que nunca
preciso delas, mas a gente não desapega. E quando precisa, não acha, tê-las para quê?
Outro dia, o caminhão da coleta de lixo reciclado saiu daqui de casa arriado. Às
vezes, não serve para mim, mas está fazendo uma falta danada para outrem. Só o
poeta Manoel de Barros conseguia encontrar valor nas coisas imprestáveis.
Nessa escaramuça, achei uma caixinha bem enfeitada,
cheia de mensagens de amor, lacinhos, poesias, cartões desenhados. Comunicação em tempos passados, sem internet. A caixa era um
buquê no lixão.
Eram restos de um grande amor de meu filho, na
separação do namoro, a namorada lhe entregou tudo, não quis ficar com nada. Nem me
atrevi a ler as profundezas da intimidade.
Achei na minha despensa essa trava, usada no Corcel II |
Revirar as nossas coisas, remexer em tudo, nos
esvazia à medida que nos libertamos de tantas lembranças. Toda tranqueira
tem uma história, materializa um tempo ido, mas que não nos interessa mais.
Desapegar-se de coisas velhas é olhar para o futuro.
-->
*Hélio Consolaro é
professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário