Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP
Não vou escrever esta crônica sobre Gregório de Matos (1636-1695) como um professor de Literatura, com aquela formalidade que os estudos literários exigem.
Como toda figura excêntrica, Gregório de Matos tinha um apelido por causa da sua crítica severa e causticante: Boca do Inferno. Os políticos da época (século 17) eram seus preferidos:
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar a cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Mas ele não era só isso, escreveu poemas de amor, religiosos, puxou o saco de muita gente em seus escritos por alguns trocados.
Eu mesmo, depois que li este soneto, que começa por este quarteto, nunca mais tive medo de pecar:
Pequei, Senhor, mas não
porque hei pecado,
Da vossa piedade me despido,
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vós tenho a perdoar mais empenhado.
Vós tenho a perdoar mais empenhado.
No final de sua estada em Salvador-BA, quase à beira da sarjeta (quem vai ajudar um linguarudo?), deu para escrever palavrão em seus poemas, era a poesia burlesca, como se fosse um rappers dos tempos modernos:
De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver
um furtar, outro foder
Por causa de suas atitudes, de não perdoar padres e freiras em seus versos, foi expulso para Moçambique (África). Voltou doente para o Brasil, mas só pôde morar em Recife. As autoridades de Salvador não queriam saber mais dele por lá.
Sem escrever um livro sequer, distribuía seus textos em folhas avulsas pelas tabernas de Salvador-BA. Assim mesmo, com divulgação tão restrita, suas mensagens abalavam as estruturas.
A Academia Brasileira de Letras fez uma parte do trabalho de juntar as suas poesias, ajudado por outros no decorrer do tempo, mas já no século 20. Nesse catar poemas daqui e dali, vieram algumas folhas que eram cópias de poemas alheios (preferidos por ele) que lhe foi atribuída autoria, como se ele, com seu talento, precisasse ser um plagiador, ladrão de versos.
Gregório de Matos é considerado o fundador da Literatura Brasileira, pois nasceu no Brasil (estudou em Portugal, como acontecia aos filhos de donos de engenhos) e apesar de pertencer à escola literária barroca, tinha uma linguagem bem abrasileirada. Era um nobre, rico que jogou tudo pra cima e soltou a franga.
Na internet, ele está em todas as redes sociais. Gente estudando, jovens declamando, artistas encenando seus textos. Veja este:
Quem quiser conhecer a Bahia, precisa ler Gregório de Matos cujos versos foram musicados por Caetano Veloso: Triste Bahia. Ele foi o primeiro grito daquele estado brasileiro por onde começou o Brasil.
Gregório de Matos e Guerra, sujeito irrequieto, que incomodava os poderosos da Bahia, o estado por onde o Brasil é culturalmente conhecido no mundo. Bahia NÃO é apenas uma rede de lojas.
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