Em
quarentena há 50 dias, tenho lido e relido livros, revistas e jornais. Descobri
sites e blogs interessantes e outros, nem tanto. Ouvi de clássicas a sambas de
roda, de jazz a alguma coisa de rock, do qual confesso, não sou fã. Caminhadas,
só dentro do condomínio. Pagamento de boletos, apenas por aplicativos. Férias do
emprego formal e outros compromissos profissionais executados de casa.
Essa
tem sido minha rotina para, orgulhosamente, dar minha contribuição ao bem-estar
da comunidade em momento tão delicado e atípico, jamais imaginado pelos
ficcionistas mais férteis. Como toda rotina, cansa, estressa e em vários
momentos é impossível evitar o baixo astral. No entanto, sinto, sem a menor
vaidade, que meu isolamento tem muito de solidário, pois contribui para poupar
a saúde e a vida de pessoas que nem sequer conheço. Assim exerço minha
cidadania, só, calado e sobrevivendo do básico.
E
por falar em básico, a alimentação. Para manter hábitos saudáveis, evito
alimentação pronta, dessas entregues por jovens motoqueiros, transportadas em
caixas térmicas amarradas nas costas, como se fossem mochilas. Assim, por
alguns minutos deixo de ser eremita, abandono a caverna e vou ao santuário do
consumismo: o supermercado. Máscara na cara, luvas de borracha, lista de
compras e um sacolão para acondicionar a sobrevivência para ao menos 15
dias.
Ao
entrar no mercado imagino, pasmo e indignado, que apenas eu estou preocupado em
evitar a extinção da espécie. A maioria sem máscaras, as marias-fuxico
atualizando as “migas”, um velho pançudo pedindo ao açougueiro receita para
preparar uma suculenta panceta (“dessas que a gente vê no Facebook”, exige),
uma idosa, talvez septuagenária, que se justifica: “Deus é maior”. Um corintiano com roupas raladas, sem nenhuma
proteção, desdenhando da pandemia: “Se eu ficar doente é problema meu”. O
vaivém parece o mesmo de meses atrás.
Lista
de compras cumprida, retorno à caverna para prosseguir no isolamento. Passo
horas higienizando a fechadura da porta, com banho e limpeza do piso. Água e
sabão em fruta por fruta, legume por legume. Nos produtos embalados em
plásticos, sacos impermeáveis ou vidros: água sanitária neles. Também limpo a
carteira de couro e as chaves da porta. Lavo os óculos e jogo a roupa na lavadora.
Tudo pela minha saúde e a dos meus semelhantes, até daqueles que não são tão semelhantes
assim.
E o
dinheiro do troco, que já passou por muitas mãos, talvez milhares em poucos
dias? Água sanitária pode descolorir e as notas se desvalorizarem igual na inflação
do Sarney. Ferro elétrico, como se fossem pequenas peças de tecido? E se eu
lavar o dinheiro, será que a Farsa-Jato (aquela com sede em Curitiba, que
elegeu um presidente e fez ministro da Justiça) virá atrás de mim? Dane-se,
pois minha defesa está pronta. Direi que a lavagem de dinheiro tem como
objetivo gratificar sem abalar a saúde do soldado e do cabo encarregados de
fechar o STF.
da AAL
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