AGENDA CULTURAL

6.6.20

Bolsonaro nega a sua própria humanidade


Antes de nos assombrar, os monstros eram humanos. Eles nos assustam pela lembrança de sua humanidade. A monstruosidade é o que nos ajuda a suportá-los. - Eliane Brum  

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP
  
Eu estava lendo o livro da escritora gaúcha Eliana Brum "Meus desacontecimentos", uma espécie de memórias antecipadas, por ser tão jovem, emprestado pelo acadêmico Reynaldo Mauá Jr., quando deparei com o parágrafo em epígrafe. 

Que monstro me veio à cabeça? Bolsonaro. Ele é como o cantor da noite que não quer ser ignorado, faz tudo para não ser ignorado, não deixa a clientela comer e beber sossegada. Quer ser o centro das atenções.

Outro dia, ouvi uma jornalista dizer na TV que faz tudo para compreender Bolsonaro, encontrar as razões de ser tão aloprado, tão criador de caso, mas não consegue e concluiu: nossos santos não se conversam.   

Este cronista também tem feito reflexões, pois além de nossos sobrenomes trazerem uma rima pobre (Consolaro e Bolsonaro), somos ambos descendentes de italianos. Será que esse bambino não foi criado direito, pois não anda com boas companhias.

Também já imaginei ser intransigência de seus adversários, que somos intolerantes, pois o presidente não é normal. E isso o empurra cada vez mais à pior trincheira, onde estão os tranqueiras. A holística até pode explicar tais fenômenos.

Será que ele faz tipo? Porque há outros presidentes de países no mundo, com o mesmo perfil, com o mesmo alopramento. Ou o mundo está mesmo perdido, produzindo tais tipos de lideranças... 

Bem a gosto dos evangélicos que dividem  o mundo entre Deus e diabo e a humanidade entre salva e condenada ao fogo do inferno, é normal haver maus e bons. O problema é que todos se consideram partidários do bem, e a divisão se anula. Mau é sempre o outro. Conclusão: o maniqueísmo e a imbecilidade se alastram.

A humanidade tem uma história que foi construída sob as suas limitações, há uma trajetória cultural. A cada dia acumulamos conhecimentos, mas os sistematizados se chamam ciências. E assim o homo sapiens vai tentando entender o mundo. Aí vem um bando de loucos, que nunca estudaram nada, ou melhor, sempre foram maus alunos, assumem o poder pelo voto popular, e querem que voltemos mil anos. Instalaram o poder da mediocridade. 

E Bolsonaro contradiz todas as descobertas da humanidade, quer inventar a roda novamente. Na sua família, não há ninguém normal, todos os filhos nasceram à imagem e semelhança do pai: aloprados.
  
Como disse a filósofa Deborah Danowski em sua última entrevista na Agência Pública, um site de jornal investigativo: 

“Tem pessoas que dizem que a Terra é plana, que a ditadura militar não existiu no Brasil, ou que a Globo é comunista, que os nazistas eram de esquerda, que a cloroquina cura sem sombra de dúvida, enfim a lista é longa. Não pode ser por acaso que todas essas coisas se juntaram neste governo e, embora eu tenha estudado um pouco esse fenômeno, ele continua sendo um mistério para mim; porque não são só esses absurdos que são ditos sabe-se lá por quais interesses, são as pessoas que acreditam neles, e que seguem o que o presidente e seus ministros dizem”.

Não se trata de falta de boa vontade para entender Bolsonaro; como diz Eliane Brum, é gente que virou monstro, está negando a sua própria humanidade. 

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