AGENDA CULTURAL

6.6.20

Quem inventou esta tal ciência? - Alberto Consolaro


O método científico hoje, segue os mesmos princípios concebidos por René Descartes em 1637! 
     
O mundo era dominado pelo pensamento religioso e filosófico até 400 anos atrás. Na religião prevalecia a fé e na filosofia se usava o poder da argumentação e do convencimento! Todos as coisas eram aceitas ou rejeitadas pelo poder da crença ou da opinião e ponto final. Quem não aceitava, era torturado ou morria, simples assim! Tudo era dogmático!

Galeno foi um médico italiano (129–201), cujo pensamento foi dominante por séculos. Não há nada na medicina que Galeno não tenha opinado, ditado, determinado ou “esclarecido”. Muito inteligente e autoritário, o que ele imaginava ou achava em estudos com animais do ponto de vista fisiológico ou patológico, era imediatamente transposto por ele para os humanos e fim. Quem não aceitasse deixaria de ser médico, morreria ou seria humilhado de forma incontestável por toda a sociedade que acreditava piamente nele!

Na idade média era proibido se estudar cadáveres, abrir o corpo humano para fazer estudos, a religião não permitia. Séculos de ignorância, autoritarismo e obscurantismo se passaram ate que ao redor de 1300 a 1600 houve o renascimento e humanos como Copérnico, Galileu e René Descartes começaram a organizar para que o conhecimento humano não mais dependesse da opinião de religiosos ou gente “importante ou poderosa”, cuja opinião era imposta pelas armas.

SURGIMENTO

Desta forma, Descartes escreveu um livro em 1637 e descreveu pela primeira vez no mundo o que era um método que chamou de científico e surgiu o seu livro “O discurso do método”. A partir de então começou a separar-se o que era o conhecimento empírico, sensorial e opiniões do que passou a existir como conhecimento científico.

Para ser científico as informações, conhecimentos, coisas, fenômenos e observações haveriam de ser organizadas, padronizadas e testadas de forma que outra pessoa pudesse fazer a mesma coisa e ter os mesmos resultados para serem checados. E mais: para ser científico o conhecimento obtido haveria de ser publicado para que todos pudessem ler e checar se quisesse, repetindo-se o trabalho quantas vezes quisesse. Sim, podemos dizer que a ciência foi “inventada” ou idealizada ou organizada por René Descartes, um francês genial. Hoje, na ciência: opinião e fé deixaram de ter valor na interpretação dos fenômenos. 

 Como não havia revistas cientificas e nem mídia organizada na época, os cientistas se reuniam em encontros anuais de sociedades de cada país e que existem até hoje como Sociedade Real de Ciência da Inglaterra, Holanda, França e outras. Entre nós seria a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência ou SBPC. Esses encontros correspondem ao que hoje chamamos de congressos e jornadas, agora carregadas também de interesses comerciais e industriais com grandes exposições de produtos pelas empresas, além dos interesses científicos em paralelo, representadas pelas aulas, debates, cursos e exposições de trabalhos científicos.

LITERATURA

Com o advento da imprensa e do uso intenso do papel para livros e revistas, as publicações mais importantes das ciências deixaram de ser apresentadas nos encontros e congressos e passaram a ser reveladas em revistas ou “journals” científicos publicados em todos os países do mundo, alguns com maior ou menor credibilidade. Uma das mais antigas chama-se “The Lancet”. Quando um cientista publica um de seus trabalhos nesta revista se diz que “zerou a vida” em sua carreira acadêmica” o que significa que pode ir para casa que chegou no seu ápice enquanto profissional acadêmico.

A medida que passou e terminou o século 20, as máquinas de impressão no papel não acompanham mais a geração de novos conhecimentos e quando publicado, o novo conhecimento já está atrasado. Assim as revistas e “journals” como a Lancet, Science, Nature, New England J Medicine e outros, passaram a ser semanais e virtuais disponíveis na internet. Quando a revista impressa no papel chega, já está ultrapassada e serve mais aos saudosistas para arquivar e tomar espaços preciosos.

Ao frequentar instituições como universidades, hospitais e profissionais mais contemporâneos e de vanguarda, em suas salas nem mais se vê livros e revistas nas estantes. Em média, a cada seis meses todo o conhecimento humano é renovado e o anterior passa a ter valor histórico e não mais comercial ou financeiro! Mas, para falar a verdade, eu amo uma biblioteca fisicamente instalada, ainda que reconheça que ocupa muito espaço e o conhecimento armazenado fica rapidamente ultrapassado.

REFLEXÃO FINAL

Em síntese: ciência é a busca constante da verdade através do método! Aplicar o método dá trabalho, leva um tempo para se obter o resultado e ainda tem que se buscar dividir o mais amplamente possível aquilo que foi esclarecido. Ser cientista dá muito trabalho! No presente que ganhei de um casal amigo, no dia que conquistei a condição de Professor Titular da USP em 1995, estava escrita uma frase em latim que nunca mais esqueci e guardo com carinho: você veio, fez e divide com os demais! Viva Descartes, viva a ciência!
 
Alberto Consolaro – Professor Titular da USP - FOB Bauru-SP. consolaro@uol.com.br




Nenhum comentário: