AGENDA CULTURAL

19.6.22

Esquartejamentos e uma carta a meu pai

Escrevendo a carta e escutando a música "Disco voador" cantada por Rolando Boldrin na TV Cultura (YouTube) 

Você contava que nos sertões havia humanos escravizados, índios e negros com cabeças cortadas e mulheres seviciadas. Os capangas assassinos, ditos “administradores de terras”, faziam isso com gosto e a serviço do “doutor” que chegava todo mês de avião para pegar dinheiro e outras “coisas”.

Muito pequeno, eu não entendia direito porque você não ia para estas terras sertanejas fazer seu trabalho de carpintaria e cercas, onde ganharia mais dinheiro para vivermos um pouco melhor. Era Mato Grosso, Goiás e Rondônia. Você dizia que poderia ir, mas não sabia se iria voltar, afinal lá na boca do sertão, a lei era do bandido! Ainda bem que você nunca foi, apesar dos patrões serem os mesmos daqui, só que lá se faziam tudo de mal e davam vazão aos ímpetos da diabólica parte maligna da mente humana.

Hoje, quando viajo pelas cidades e campos formados, sem as florestas de outrora, não consigo esquecer o que você, de forma tão simples, me passou. Quanto de sangues e lágrimas de índios, negros e outros pobres humanos, se derramou para ter cidades e fazendas: quantas atrocidades!

Querido pai, eu lhe agradeço muito pela criação, mas especialmente por não ter nos levados na época, para estes lugares onde todas as desumanidades foram praticadas para garimpar, tirar madeira, escravizar humanos e derrubar florestas acabando com rios, cavernas e cachoeiras. Os antigos ou bisavós, trisavós e tataravós, diziam, com o apoio de religiosos, que índios e negros não tinham alma, como se diz hoje dos animais.

“ATRO-CIDADES”

As cidades têm saneamento, saúde e educação, mas não na periferia que vive sem nada do que a urbanidade poderia lhe oferecer. Quase nada se permite aos pobres e depois reclamamos das tragédias.

A vida dos ribeirinhos nas vilas e lugarejos na Amazônia deve ser muito difícil. Mas não pela aspereza do ambiente e nem pela falta de urbanidade e seus eletrodomésticos. Difícil sim, pela falta de aparato social da justiça, serviços de saúde e educação, tudo permeado pelo banditismo do garimpo ilegal, pesca predatória, tráfico de drogas e condições sub-humanas de trabalho. Matar uma pessoa e esquartejá-la, para que animais comam ou a terra a consuma mais rapidamente, deve ser banal pela falta da civilidade.

E de pensar que por aqui, já foi assim! Nesta hora minha cabeça é invadida pela música “Disco Voador” cantada por Rolando Boldrin na TV Cultura (YouTube) e cuja letra é:

Tomara que seja verdade
Que exista mesmo disco voador
Que seja um povo inteligente
Para trazer pra gente a paz e o amor!
Se for pro bem da humanidade
Que felicidade essa intervenção!
Aqui na terra só se pensa em guerra
Matar o vizinho é nossa intenção!
 
Se Deus, que é Todo Poderoso
Fez este colosso (planeta) suspenso no ar
Por que não pode ter criado
Um mundo apartado da terra e do mar?
Tem gente que não acredita
Acha que são mentiras os mistérios profundos
Quem tem um filho, pode ter mais filhos
O Senhor também pode ter outros mundos!
 
Os homens do nosso planeta
Dão a impressão que já não têm mais crença
Em vez de fabricar remédio
Pra curar o tédio e outras doenças
Inventam armas de hidrogênio
Usam o seu gênio fabricando bomba
Mas não se esqueçam que, por mais que cresçam
Perante Deus qualquer gigante tomba!
 
O nosso mundo é um espelho
Que reflete sempre a realidade
Quem forma vinha, colhe uva
E quem planta chuva, colhe tempestade
No tempo que Jesus vivia
Ele disse um dia e não foi a esmo
Que, neste mundo em que a maldade infesta
Tudo que não presta morre por si mesmo! 

Alberto Consolaro  
Professor Titular da USP  
FOB de Bauru
consolaro@uol.com.br 


Nenhum comentário: