AGENDA CULTURAL

7.9.17

Eu e a pátria, a pátria e eu

Stendhal: “A verdadeira pátria é aquela onde encontramos o maior número de pessoas que se parecem conosco.”


Hélio Consolaro*
(07/09/2006)

Hoje, comemora-se a Independência do Brasil. Ótimo. É feriado. Haverá fanfarronice patriótica, farão elogios aos heróis nacionais, teremos desfiles militares. Os vencidos serão chamados de traidores. Construímos um auê para que a vida seja mais fácil de ser levada.

Só acreditamos ainda em nação porque o ser humano não foi globalizado completamente. Se hoje bairrismo é um sentimento ridicularizado, o nacionalismo também o será. Será coisa de bobo, porque o planeta será uno, inclusive na língua.

Criamos a patriotada porque toda aquela história existe para justificar esse nosso jeito de ser, o nosso idioma, aquela alegria de quem está no exterior e de repente encontra um brasileiro. O encontro nos traz uma grande alegria. Naquela hora, tenho o sentimento de pertencer a uma tribo.

Na verdade, nenhum país é independente, não existe o isolamento, pois tudo se relaciona com tudo, o sentimento de independência é uma arrogância. Aquele nacionalismo arraigado que produziu tantas guerras, matou tanta gente, aquele sonho besta de dominar os outros está enfraquecido. Se Deus quiser e o diabo deixar, Bush será o último guerreiro.

Às vezes, tenho a comichão de considerar o ser humano um projeto que foi abandonado pelo Criador. Assim, naqueles momentos de niilismo, passo a ombrear-me com aqueles que consideram o ser humano mau e violento por natureza, mas logo tenho uma recaída, saio do niilismo com certa pressa de quem não gosta muito dele.

Passemos, caro leitor, para o nível pessoal. Essa história de ser independente é meio esquisita, porque não me sinto assim em quase nada, pois preciso pensar nas conseqüências de minhas atitudes. Se eu fizer isso, pode acontecer aquilo. Se eu fizer aquilo, pode acontecer isso. E assim vou sendo o que os outros querem que eu seja. Nunca sou eu mesmo.

Mas há jeito de ser eu mesmo? Se nos educamos no grupo, ninguém aprende sozinho? Mesmo quando mergulhamos em nós mesmos, não somos tão únicos, porque as águas do lago do meu “eu” foram trazidas por outros mananciais.

Aquela comidinha que eu gosto, daquele jeitinho tão meu, foi um gosto imposto por minha mãe. Tudo em mim são os outros, é a comunidade.

Talvez, eu sou eu apenas no jeito de arranjar as coisas que me deram, porque se nada se cria e tudo se transforma, a sintaxe das combinações é minha. Talvez esteja aí a resposta da pergunta: Quem sou eu? Eu sou os outros com um tempero diferente.

E para terminar, cruzar o meu eu com minha pátria, cito o escritor Stendhal: “A verdadeira pátria é aquela onde encontramos o maior número de pessoas que se parecem conosco.”



*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras

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