AGENDA CULTURAL

12.6.17

Poemas para o Dia dos Namorados - escolha o seu



No filme "O Carteiro e o Poeta", quando Mário Ruopollo (o carteiro) usa um poema de seu amigo Pablo Neruda (o poeta) para conquistar Beatrice Russo, é repreendido pelo poeta chileno, porque o poema não era de autoria de Mário, como se apropriava dele para cortejar uma mulher?

Este responde ao poeta que um poema pertence a todos e se não pode usá-lo nem para conquistar uma mulher, para que serve a poesia?  

Pensando nisso, este blogueiro reproduz alguns poemas para que o internauta recite para a sua amada, sem nenhum medo de que esteja cometendo furto autoral.


Aos namorados do Brasil
Carlos Drummond de Andrade

Dai-me, Senhor, assistência técnica
para eu falar aos namorados do Brasil.
Será que namorado escuta alguém?
Adianta falar a namorados?
E será que tenho coisas a dizer-lhes
a sabedoria universal em divino esquecimento?
Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa,
quando perdem os olhos
para toda paisagem,
perdem os ouvidos
para toda melodia
e só vêem, só escutam
melodia e paisagem de sua própria fabricação?

Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados
enquanto namorados. Antes, depois são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia.
Mas quem foi namorado sabe que outra vez
voltará à sublime invalidez
que é signo de perfeição interior.
Namorado é o ser fora do tempo,
fora de obrigação e CPF,
ISS, IFP,PASEP, INPS.
Os códigos, desarmados, retrocedem
de sua porta, as multas envergonham-se
de alvejá-lo, as guerras, os tratados
internacionais encolhem o rabo
diante dele, em volta dele. O tempo,
afiando sem pausa a sua foice,
espera que o namorado desnamore
para sempre.
Mas nascem todo dia namorados
novos, renovados, inovantes,
e ninguém ganha ou perde esta batalha.

Pois namorar é destino dos humanos,
destino que regula
nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso.
E quem vive, atenção:
cumpra sua obrigação de namorar,
sob pena de viver apenas na aparência.
De ser o seu cadáver itinerante
De não ser. De estar, ou nem estar.
O problema, Senhor, é como aprender, como exercer
a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina,
e vai além de toda universidade.
Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe.
E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu,
por obra e graça de sua namorada.

A mulher antes e depois da Bíblia
é pois enciclopédia natural
ciência infusa, inconsciente, infensa e testes,
fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento.
Há que aprender com as mulheres
as finezas finíssimas do namoro.
O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre
três vezes ignorante de seu coração
e da maneira de usá-lo.
Só a mulher (como explicar?)
entende certas coisas
que não são para entender. São para aspirar
como essência, ou nem assim. Elas aspiram
o segredo do mundo.
Há homens que se cansam depressa de namorar,
outros que são infiéis à namorada.
Pobre de quem não aprendeu direito,
ai de quem nunca estará maduro para aprender,
triste de quem não merecia, não merece namorar.

Pois namorar não é só juntar duas atrações
no velho estilo ou no moderno estilo,
com arrepios, murmúrios, silêncios,
caminhadas, jantares, gravações,
fins de semana, o carro à toda ou a 80,
lancha, piscina, dia-dos-namorados,
foto colorida, filme adoidado,
rápido motel onde os espelhos
não guardam beijos e alma de ninguém.


Namorar é o sentido absoluto
que se esconde no gesto muito simples,
não intencional, nunca previsto,
e dá ao gesto a cor do amanhecer,
para ficar durando, perdurando,
som de cristal na concha
ou no infinito.
Namorar é além do beijo e da sintaxe,
não depende de estado ou condição.

Ser duplicado, ser complexo,
que em si mesmo se mira e se desdobra,
o namorado, a namorada
não são aquelas mesmas criaturas
com que cruzamos na rua.
São outras, são estrelas remotíssimas,
fora de qualquer sistema ou situação.

A limitação terrestre, que os persegue, tenta cobrar (inveja)
o terrível imposto de passagem:
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer!
Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada
na sola do sapato..."
Ou senão:
"Desiste! Foge! Esquece! Esquece!"
E os fracos esquecem. Os tímidos desistem.
Fogem os covardes.
Que importa? A cada hora nascem
outros namorados para a novidade
da antiga experiência.
E inauguram cada manhã
(namoramor)
o velho, velho mundo renovado.
(em Discurso de primavera e algumas sombras)



Letra para uma valsa Romântica
Manuel Bandeira 


A tarde agonizava
Ao santo acalanto
Da noturna brisa.
E eu, que também morro,
Morro sem consolo,
Se não vens Elisa!
Ai nem te humaniza
O pranto que tanto
Nas faces desliza
Do amante que pede
Suplicantemente
Teu amor, Elisa!
Ri, desdenha, pisa!
Meu canto, no entanto,
Mais te diviniza,
Mulher diferente,
Tão indiferente,
Desumana Elisa!
(em Estrela da Vida Inteira)

Adélia Prado
O amor no éter

Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniços na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica exclamam:
como és bonito!
Quero escavar-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.
(em Poesia reunida)


Mario Quintana
Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...
(em Esconderijos do tempo)

Vinicius de Moraes
Teu nome

Teu nome, Maria Lúcia
Tem qualquer coisa que afaga
Como uma lua macia
Brilhando à uma flor de uma vaga.
Parece um mar que marulha
De manso sobre uma praia
Tem o palor que irradia
A estrela quando desmaia.
É um doce nome de filha
E um belo nome de amada
Lembra um pedaço de ilha
Surgindo de madrugada.
Tem um cheirinho de murta
E é suave como a pelúcia
É acorde que nunca fina
É coisa por demais linda
Teu nome, Maria Lúcia...
(em Para viver um grande amor)
Roberto Piva
(A POLÍTICA DO CORPO EM FOGO DO CORPO EM
CHAMAS DO CORPO EM FOGO) APAGANDO A LUZ



as trevas devoram
teu corpo em chamas tua boca aberta teu suicídio
de prazer na grama tuas mãos colhendo meu rosto
de folhas machucadas na escuridão teu gemido à
sombra das cuequinhas em flor
teus cabelos são solidamente negros
(em Antologia Poética)

Adalgisa Nery
Poema da amante

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos,
Na profunda imensidade do vazio
E cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita dos tempos
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
E em tudo que ainda estás ausente.
Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.
(em Antologia dos poetas brasileiros)


Armando Freitas Filho

29 VI 98

Vestido de sua nudez, pendurado
na madrugada. Primeira pele
deslizante, largada para trás
durante o pega dos corpos.
Agora, o que se apanha e aperta
com a mão molhada de carne
é o que mais se esmerou na vida
e estava encoberto, à espera:
queda de flanco, curva rápida
estirão e
êxtase!
(em Fio Terra)


Castro Alves
Os três amores
I
MINH'ALMA é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara chora...
Sou Tasso!... a primavera de teus risos
De minha vida as solidões enflora...
Longe de ti eu bebo os teus perfumes,
Sigo na terra de teu passo os lumes...
-- Tu és Eleonora...
II
Meu coração desmaia pensativo,
Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Sou teu Romeu... teu lânguido poeta!...
Sonho-te às vezes virgem... seminua...
Roubo-te um casto beijo à luz da lua...
-- E tu és Julieta...
III
Na volúpia das noites andaluzas
O sangue ardente em minhas veias rola...
Sou D. Juan!... Donzelas amorosas,
Vós conheceis-me os trenos na viola!
Sobre o leito do amor teu seio brilha...
Eu morro, se desfaço-te a mantilha...
Tu és -- Júlia, a Espanhola!...
( em Obra completa)

Paulo Leminski

Objeto

objeto
do meu mais desesperado desejo
não seja aquilo
por que ardo e não vejo
seja a estrela que me beija
oriente que me reja
azul amor beleza
faça qualquer coisa
mas pelo amor de deus
ou de nós dois
seja
(em Caprichos e relaxos)

Gregório de Matos 

(sem título)Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:

Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
De verde pé, da rama florescente;
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?

Se pois como anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo que por bela, e por galharda,
Posto que os anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
(em Poemas Escolhidos)

Carlos Marighella

O perfume

Para cada mulher existe sempre um perfume
que agrada ao seu gosto
ou ao desejo que a inspira,
e que lhe é revelado pelo dom do instinto.
Cada mulher traz em si,
entranhado em seu corpo,
um perfume.
A cada espécie de amor
um perfume é mister,
seja amor puro,
infiel,
sacrossanto,
carnal.
Há uma busca eterna à mulher...
e quem sabe essa busca
se resume
na procura de um quê,
algo estranho, insondável,
quem sabe um perfume...
( em Rondó da Liberdade)


Rubens Rodrigues Torres Filho

Selos

Antes de poder querer pousar
as mãos, selos precários, sobre a pele
difícil desta tarde,
já os olhos multiplicam por si mesma
esta paisagem, que se pôs alerta. O mergulho é tão vôo
e tão exato o prumo
que os perfis da folhagem se corrompem
para que sua cor, densa se assanhe.
Amar, agora, se assemelha a um vento
forte e silencioso como a parte
que se cantasse desacompanhada
de uma canção em pura voz, sem querer o socorro
e qualquer som, que lhe desse matéria.
(em Poros)


Antônio Fernando de Franceschi

Amor Fati

tão desmedido amar
irremissivelmente
amar inteiro e sem reparo
do havido amor amar o conhecido
e o mundo aberto do novo
amar preclaro o amor sobejo
e sem remorso amar o amor raro
do fundo amor amar o leve
amar imenso o amor que é breve
e repetido e sempre amar
irrecusavelmente
o amor que foi a dor jacente
o amor suave e o ardido
o amor reto e o invertido
amar perverso o denso
e o amor que é pura luz amar
intensamente
amar o amor que é água e se transmuta
amar o vinho e a cicuta
amar irresistido o amor ausente
e mesmo o fel que é amor
mas fere e mente
amar há que contudo
amargamente
(em Sal)


2 comentários:

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

Poxa vida, Araçatuba é uma cidade romântica, de um povo sensível e a entidade que a representa culturalmente, a academia Araçatubense de letras nao nos lego um um só poeta que tivesse feito um poema sobre o tema? Será que vamos precisar convocar o Heitor Gomes, Poeta das Multidões para não termos que nos contentar com os Manuel Bandeira e Olavo Bilac da vida?

Hélio Consolaro disse...

Jhamiltonbrito
Você que anda empurrando os dias com a barriga, poderia digitar todos os poemas que falam de amor de poetas araçatubenses e me mandar. Terei o prazer de inseri-los.
Este trabalho está no meu computador há alguns anos.
Abraços
Hélio Consolaro