AGENDA CULTURAL

1.1.12

Hoje em dia e no meu tempo


Antônio Prata, autor  desta crônica, tem pedigree. Ele é filho do Mário  Prata, mas acho que está melhor que o pai.  Não encontrei o texto na internet, não resisti, digitei-o, porque é muito  bom  para ficar  guardado.

Hoje em dia e no meu tempo
Antônio Prata

Hoje em dia o pessoal acredita que,  hoje em dia, o mundo tá bem pior do que antes. Pode reparar: quando o  sujeito puxa  um  “hoje em dia”, lá  vem resmungo: “hoje em dia não dá para  confiar em mais ninguém!”; “hoje em  dia a juventude não  respeita  mais absolutamente nada!”; “hoje dia as pessoas se vestem  de qualquer  jeito!”; “hoje em dia  a porção de frango à passarinho é desse  tamanhozinho, assim, ó!”

Do  outro lado do “hoje em dia” encontra-se, naturalmente, o “no meu tempo”; época áurea da humanidade, o Éden do  qual, por alguma razão incerta, fomos  expulsos. “ “No meu tempo cê deixava a porta do  carro  aberta e ninguém levava”, “no meu tempo a palavra valia alguma coisa”, “no  meu tempo o pessoa tinha vergonha na cara”, “no meu tempo o  feijão do  PF vinha à parte e na cumbuca, não era pocinha  aí, do  lado do arroaz!”.

Tendo a acreditar que os  resmungos desse povo brotam menos de um desmedido  amor pelo passado  do que  do pessimismo em relação ao futuro.

O pessimismo,  ao  contrário do que muitos pensam,  não  é um atributo dos masoquistas, dos que gostam de sofrer, muito pelo contrário. É um recurso  de segurança,  espécie de capa de chuva existencial, usada por todos aqueles que acham que a maior  das  desgraças  ainda é mais suportável da incerteza.  De modo que, na dúvida se as coisas darão certo ou errado, o indivíduo prefere acreditar  no pior. Assim,  se uma tempestade chegar ele não é  pego no susto: tendo pago o  sofrimento adiantado, parcelado, já  praticamente quitou sua frustração.

O efeito colateral do pessimismo, contudo, é letal: colocando todas as fichas na desgraça e na decadência,  o sujeito não pode regozijar-se quando o  sol  aparece, quando uma promessa  é cumprida, e, quando  a porção de frango  à passarinho  é mais  bem  servida  que a de ontem, ele tem  que fechar a cara e resmungar: “aposto que tá frio...”. Mas,  e  daí?  Quem tem o glorioso “no meu tempo”,  quando  as coisas eram realmente  boas, fartas e belas, não  precisa  aproveitar o presente”.

Viver no passado pode ser meio chato  -  as memórias não  têm gosto, nem cheiro, nem podem  ser tocadas por nossas mãos – mas são seguras, e é isso que importa ao  pessimista. Afinal, “hoje em dia,  não dá  pra dar chance ao acaso. Hoje em dia, se  você vacilar, já viu. Hoje  em dia, meu  amigo. Não é como meu tempo que...”   

*Antônio  Prata é escritor, tem  vários livros publicados. Essa crônica foi publicada na revista PALAVRA – Sesc – Literatura em Revista.  

2 comentários:

Mauri disse...

Primeiro blog que vejo em 2012 e pelo visto foi uma excelente escolha, gostei muito do texto e do vídeo, principalmente da frase de início: "Se sua vida é isenta de fracassos... Então você não está assumindo os riscos necessários."

Unknown disse...

Essa canção diz muito. Amo isso.