Antônio Prata, autor desta crônica, tem pedigree. Ele é filho do
Mário Prata, mas acho que está melhor
que o pai. Não encontrei o texto na
internet, não resisti, digitei-o, porque é muito bom
para ficar guardado.
Hoje em dia e no meu tempo
Hoje em dia o pessoal acredita
que, hoje em dia, o mundo tá bem pior do
que antes. Pode reparar: quando o
sujeito puxa um “hoje em dia”, lá vem resmungo: “hoje em dia não dá para confiar em mais ninguém!”; “hoje em dia a juventude não respeita
mais absolutamente nada!”; “hoje dia as pessoas se vestem de qualquer jeito!”; “hoje em dia a porção de frango à passarinho é desse tamanhozinho, assim, ó!”
Do outro lado do “hoje em dia” encontra-se,
naturalmente, o “no meu tempo”; época áurea da humanidade, o Éden do qual, por alguma razão incerta, fomos expulsos. “ “No meu tempo cê deixava a porta
do carro
aberta e ninguém levava”, “no meu tempo a palavra valia alguma coisa”, “no meu tempo o pessoa tinha vergonha na cara”, “no
meu tempo o feijão do PF vinha à parte e na cumbuca, não era
pocinha aí, do lado do arroaz!”.
Tendo a acreditar que
os resmungos desse povo brotam menos de
um desmedido amor pelo passado do que
do pessimismo em relação ao futuro.
O pessimismo, ao
contrário do que muitos pensam,
não é um atributo dos
masoquistas, dos que gostam de sofrer, muito pelo contrário. É um recurso de segurança,
espécie de capa de chuva existencial, usada por todos aqueles que acham
que a maior das desgraças
ainda é mais suportável da incerteza.
De modo que, na dúvida se as coisas darão certo ou errado, o indivíduo
prefere acreditar no pior. Assim, se uma tempestade chegar ele não é pego no susto: tendo pago o sofrimento adiantado, parcelado, já praticamente quitou sua frustração.
O efeito colateral do
pessimismo, contudo, é letal: colocando todas as fichas na desgraça e na
decadência, o sujeito não pode regozijar-se quando o sol
aparece, quando uma promessa é
cumprida, e, quando a porção de frango à passarinho
é mais bem servida
que a de ontem, ele tem que fechar a cara e resmungar: “aposto que tá
frio...”. Mas, e daí?
Quem tem o glorioso “no meu tempo”,
quando as coisas eram
realmente boas, fartas e belas, não precisa
aproveitar o presente”.
Viver no passado pode ser
meio chato - as memórias não têm gosto, nem cheiro, nem podem ser tocadas por nossas mãos – mas são
seguras, e é isso que importa ao
pessimista. Afinal, “hoje em dia,
não dá pra dar chance ao acaso.
Hoje em dia, se você vacilar, já viu.
Hoje em dia, meu amigo. Não é como meu tempo que...”
*Antônio Prata é escritor, tem vários livros publicados. Essa crônica foi
publicada na revista PALAVRA – Sesc – Literatura em Revista.
2 comentários:
Primeiro blog que vejo em 2012 e pelo visto foi uma excelente escolha, gostei muito do texto e do vídeo, principalmente da frase de início: "Se sua vida é isenta de fracassos... Então você não está assumindo os riscos necessários."
Essa canção diz muito. Amo isso.
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